Gerente – Papel e Práticas – parte 2

Gerenciamento na Prática

No post anterior, após avaliar o desenvolvimento do papel do gerente ao longo do tempo, definimos o gerenciamento atual como o ato de coordenar um grupo de pessoas para atingir uma meta específica, ao mesmo tempo que se leva em consideração a inevitável mudança e incerteza.

Hoje, vamos comentar alguns dos assuntos que fazem parte de sua rotina e conhecer práticas modernas de gerenciamento. Tratam-se de conceitos ou métodos propostos por grandes autores e referências no assunto, com alguma contribuição da minha própria experiência ao longo dos últimos nove anos como gerente.

  • Vamos falar das temidas, porém necessárias, metas.
  • Discutiremos como os gerentes podem lidar com mudanças e problemas.
  • Vamos verificar a importância do alinhamento de um plano de ação.
  • Descobriremos como “sair do caminho e deixar as pessoas trabalharem“, com a Gestão Participativa.
  • Conheceremos alternativas de monitoramento e o que fazer com obstáculos.
  • Entenderemos as diferenças entre gerentes de sucesso e gerentes eficazes. 
  • Vamos aprender o que são e como evitar as dívidas de gestão.
  • E, para finalizar, conheceremos o mindset que pode destacar um bom gerente.

Metas

Saber onde se quer chegar, certamente, é a primeira preocupação de um gerente. A meta de uma operação, normalmente, é definida pela alta direção da empresa, que se baseia em análises de mercado, alinhadas com o que é necessário para alcançar seus objetivos. Segundo Vicente Falconi, as empresas possuem 4 objetivos primários:

  1. Colocar no mercado um produto com melhor qualidade e de forma mais econômica que o concorrente.
  2. Remunerar o acionista de forma competitiva com o mercado financeiro, garantindo, assim, os recursos necessários ao crescimento da empresa e à geração de novas riquezas.
  3. Pagar um salário competitivo e propiciar boas condições de trabalho, de tal forma que a empresa consiga reter seus empregados.
  4. Não comprometer o ambiente. Respeitar a sociedade.

Isso significa que as metas colocadas pela alta direção são aquelas necessárias à sobrevivência da empresa. Elas têm que ser atingidas, não existe outra opção, “seja por melhorias sucessivas do mesmo produto ou processo, seja pelo projeto de um novo produto ou processo com a introdução de novas tecnologias.”

Em resumo, meta é o desdobramento das necessidades e objetivos da empresa, a tangibilização do planejamento. Meta é a própria estratégia.

Um gerente eficiente consegue entender isso muito bem, mas também não se corrompe com um otimismo irreal. Ele é pragmático e insiste no realismo, sabe das reais limitações de sua operação e não vai se omitir quando precisar negociar. Assim como, por outro lado, pode definir metas de melhorias incrementais, que não foram previstas pela alta direção, caso perceba alguma oportunidade.

Para Falconi, não existe gerenciamento sem meta: “gerenciar é estabelecer metas e ter um plano de ação para atingi-las. Quem não tem meta é tudo, menos um gerente.”

Mudanças

Vimos que gerenciar é atingir metas e que, para uma empresa sobreviver à guerra comercial numa economia globalizada, deve definir metas rigorosas. Falconi aprofunda esse tema, afirmando que “não se alcança objetivos, sem fazer mudanças. O processo gerencial é um processo de mudanças.” 

Prepare seu time para a mudança contínua, garantindo, principalmente, que todos saibam realizar a tarefa e o que fazer quando as coisas mudarem. Lembre-se que, como vimos no post Educação e Liderança, as mudanças numa empresa são a prática do conhecimento.

Não será tarefa fácil, existe uma grande resistência às mudanças nas organizações e um conselho do Falconi deve ser levado em conta por todo gerente: algumas pessoas costumam dizer: Primeiro vamos fazer isso, depois vamos fazer aquilo. Na linguagem da resistência às mudanças, ‘primeiro’ quer dizer ‘bem devagar’ e ‘depois’ quer dizer ‘nunca’.”

Problemas

Um problema pode ser definido como a diferença entre seu resultado atual e o resultado desejado. Portanto, resolver problemas é a essência do trabalho de um gerente.

Essas anomalias do resultado, no entanto, não podem ser tratadas isoladamente. Como discutimos anteriormente, precisamos identificar a causa raiz do problema e definir um Plano de Ação para todas aquelas que forem prioritárias.

Técnicas como “Os 5 porquês”, “Espinha de Peixe” e PDCA podem lhe ajudar nessa tarefa, porém, elas não vão ser muito eficientes se você não acertar a cultura primeiro.

Ao analisar empresas que não deram certo, Ben Horowitz, verificou que muitos funcionários estavam cientes dos principais problemas muito antes de estes a derrubarem. Na maioria das vezes, isso aconteceu porque a empresa desencorajava a disseminação das más notícias, de modo que o conhecimento dos funcionários permaneceu latente até o momento em que não dava mais tempo de fazer nada.

Um gerente eficiente cria uma cultura em sua equipe que encoraja as pessoas a partilharem as más notícias. A equipe que discute seus problemas com liberdade e abertura é capaz de solucioná-los com maior rapidez. Aquela que encobre seus problemas frustra todos os envolvidos.

Fuja dos velhos bordões da administração como “Não me traga um problema sem me trazer também uma solução” e construa uma cultura que recompense, e não puna, as pessoas que expõem os problemas a fim de resolvê-los, mesmo que elas ainda não conheçam uma saída.

“Todo gerente tem que se tornar um exímio solucionador de problemas. Quanto mais problemas você tem, melhor gerente você é.”

Vicente Falconi

Alinhamento

Com um plano de ação estipulado, chegou o momento de alinhar as atribuições de cada membro da equipe.

Segundo Ram Charam, poucos entendem que um bom planejamento também requer o foco nos “comos” da execução. Um plano de ação consistente não é uma compilação de números, seus detalhes devem se originar na mente das pessoas que estão mais próximas da ação e que entendem seus mercados, recursos e pontos fortes.

Ao criá-lo, o gerente tem de perguntar “se” e “como” sua equipe pode fazer o que é necessário para atingir seus objetivos. Para ter realismo em sua estratégia, você deve ligar as metas às ações de seu pessoal.

“O cerne de qualquer estratégia está resumido em seus elementos: meia dúzia de conceitos-chave e ações que a definem. Destacar os elementos força os gerentes a serem claros quando discutem o plano de ação. Isso ajuda a julgar se a estratégia é boa ou ruim e por quê.”

Ram Charam

Gestão Participativa

Ao acompanhar a evolução do papel do gerente ao longo dos anos, nos deparamos com mudanças drásticas em como gerenciar pessoas.

Fayol falava de manter a disciplina, aplicar sanções e manter tudo sob controle. Barnard quebrou esse paradigma, afirmando que equipes deveriam ser autogeridas e, finalmente, Kaufman foi mais radical, defendendo que deveríamos sair do caminho e permitir que as pessoas façam o seu trabalho.

Um ótimo exemplo desse estilo gerencial é de Ricardo Semler, que esteve à frente do grupo Semco no Brasil. Ele acreditava que os gerentes deveriam ir além do empoderamento dos seus trabalhadores, devendo buscar a sua satisfação.

Nascido em 1959, Semler assumiu os negócios do pai aos 21 anos. Entre 1982 e 2003, levou o faturamento da Semco de US$ 4 para US$ 200 milhões. No seu primeiro dia à frente da operação, demitiu quase um terço da alta gerência, que ele acreditava estar muito arraigado ao estilo gerencial ditador de seu pai.

A abordagem de liderança de Semler é encorajar sua força de trabalho a gerenciar a si mesma em termos de gestão de tempo, horários e desenvolvimento de carreira. Assim, ele acredita que os trabalhadores vão realmente se importar com o que fazem e, dessa forma, vão tomar conta não só dos negócios, como também dos clientes.

“As pessoas são naturalmente capazes de se autogerir se estiverem comprometidas com as metas da empresa. E, quando os seus trabalhadores sãos os seus clientes, as duas metas ficam perfeitamente alinhadas.”

Ricardo Semler

Eu realmente concordo com o estilo de gestão participativa. Acredito que se você, como gerente, precisar gritar com um funcionário para que ele entenda ou faça o que você está pedindo ou, ainda, precisar microgerenciar para as coisas acontecerem de fato, podem existir dois problemas: ou VOCÊ não comunica de forma clara ou VOCÊ contratou (ou está mantendo) a pessoa errada no seu time.

O extremo oposto dessa relação pode ser tão danoso quanto. No filme Whiplash, o exigente professor de bateria tem uma passagem marcante: “A pior frase para minar talentos é ‘bom trabalho’.”

Apesar do exagero, existe uma importante lição aqui. Um gerente, realmente, não pode elogiar ou reconhecer funcionários sem fundamentos, apenas para afagar egos ou evitar conflitos.

Devemos sempre enaltecer o bom trabalho, quando for, realmente merecido. Lembre-se sempre, que o animal satisfeito dorme. Não podemos receber elogios por trabalhos medíocres ou a mediocridade será a regra.

Portanto, o gerente deve dizer com clareza qual é o papel e o resultado esperado de cada membro da equipe e fornecer um feedback realista a cada etapa. Dessa forma, como aprendemos com Kaufman, podemos sair do caminho para que façam o seu trabalho.

Monitoramento

Sair do caminho, no entanto, não significa abandonar a operação, afinal, quem não monitora seus resultados não gerencia. Seu processo está à deriva. Para avaliar a evolução de seus planos de ação, o gerente precisa mensurar os resultados. Falconi nos apresenta duas abordagens:

Itens de controle prioritário
  • Itens de controle são características que precisam ser monitoradas para garantir a satisfação das pessoas (clientes, funcionários, acionistas, etc)
  • Assim, faça uma avaliação (levantamento de dados) para saber a situação atual de cada item de controle
  • Essa avaliação deve ser simples. Por exemplo: a cada 500 faturas emitidas, quantas estão certas e quantas contêm erros?
  • Agora avalie se a situação atual é boa ou ruim para cada item de controle. O seu cliente está satisfeito?
  • Defina como prioritário todo item de controle cujo valor esteja aquém do desejado.
  • Toda meta recebida pela alta direção gera imediatamente um item de controle prioritário. Por isso, um problema.
  • Comunique os itens de controle e os disponha em um quadro, onde todos possam ver.
Itens de verificação
  • Os itens de controle são muito importantes porque são estabelecidos sobre os resultados, ou seja, sobre suas responsabilidades.
  • No entanto, também é importante para o gerente conhecer seu processo, onde reside sua autoridade.
  • O conhecimento do processo (meios) é feito por meio dos itens de verificação.
  • Os itens de verificação medem o desempenho dos componentes do processo (equipamentos, matérias-primas, condições ambientais, procedimentos operacionais padrão, etc).
  • Os itens de verificação do gerente são os principais fatores que afetam seus itens de controle prioritários.
  • Cada item de controle prioritário (efeito) dever ter um ou mais itens de verificação (causas) relacionados a ele.

Em um mundo que muda tão rápido, precisamos monitorar os resultados o tempo todo. Somente assim teremos a agilidade necessária para fazer ajustes ou pivotar o plano de ação no momento certo.

Obstáculos

Planos de ação, os “comos” e itens de controle são muito importantes para que o gerente consiga conduzir uma equipe em direção a uma meta. Porém, ele precisa cuidar da carga cognitiva que está sendo exigida de seu pessoal.

“As normas e os regulamentos muitas vezes só existem para que as pessoas que as criam tenham algo para fazer, é o que afirma Jack Welch. Não estamos falando sobre o tipo de orientação que é preciso seguir por motivos legais ou de segurança, e sim sobre as mesquinharias que impedem a empresa de avançar:

“O trabalho do gerente é varrer para longe todo e qualquer entulho que atrase sua equipe. E, aproveitando que está com a mão na massa, ele também varre do caminho as pessoas que criam obstáculos, que resistem à mudança, que são obcecadas pelo processo.”

Jack Welch

Na maioria dos casos, esses indivíduos são apenas “do contra”, servem somente para desperdiçar energia e tempo. “Um bom gerente sabe diferenciar os inovadores dos problemáticos” e toma as ações necessárias.

Gerente de sucesso x Gerente eficaz

Fred Luthans, após a realização de um  longo estudo, fez uma distinção entre gerentes de sucesso (que realizam objetivos pessoais importantes, como avançar na carreira) e gerentes eficazes (que realizam objetivos importantes para a organização e são bem avaliados por sua equipe).

Em suas conclusões, descobriu um fato contraditório: gerentes eficazes não são aqueles que fazem carreiras mais rápidas.

Os gerentes de sucesso despendem mais tempo com networking (48%) e comunicação (28%), ao passo que os gerentes eficazes despendem mais tempo com as atividades de comunicação (44%) e administração de recursos humanos (26%).

O estudo de Luthans oferece dois pontos extremamente importantes. Primeiro, evidencia a importância da comunicação, figurando entre as atividade prioritárias em ambos os casos. O segundo ponto nos alerta sobre buscar equilíbrio para que você se torne um gerente tanto eficaz quanto bem sucedido.

Dívidas de gestão

A dívida de gestão surge quando tomamos uma decisão gerencial que é eficaz no curto prazo, mas traz consequências dispendiosas no longo prazo. Assim como discutimos no post Eficiência Cega, optar pelo pelo curto prazo, pode fazer sentido algumas vezes, mas, na maioria, não faz: “O mais importante é que, se você não levar em conta a dívida de gestão, acabará indo a falência.”

O conceito é de Ben Horowitz, ele afirma, ainda, que a dívida de gestão pode se apresentar de muitas formas, sendo as mais comuns:

  • Colocar dois funcionários para desempenhar a mesma função.
  • Oferecer um salário abusivo a um funcionário importante quando ele recebe uma oferta de outra empresa.
  • Abrir mão da gestão de desempenho e do processo de feedback aos funcionários.

O bom gerente faz o que tem que ser feito hoje, mas mantém um foco inabalável no longo prazo.

Para finalizar – Mindset

Para garantir o sucesso em sua operação, o gerente precisa ser capaz de enxergar as coisas de maneira diferente. Afinal, lidar com mudanças, incertezas e a complexidade do mundo moderno não é um ato simples, não podemos apenas seguir uma receita e achar que estamos gerenciando.

Abaixo, duas analogias que podem ilustrar um pouco esse conceito:

Assim como muita gente, eu também não gostava de dias nublados. Achava meio melancólico, preferia dias ensolarados. Até que viajei de avião pela primeira vez e, para minha angústia, foi justamente em um dia que o sol insistia em não aparecer.

Pensei que fosse “azar” de principiante, mas, quando ganhamos altitude e passei a ver aquele dia nublado de um outro ponto de vista, minha percepção mudou completamente. A beleza das nuvens abaixo com um céu azul cintilante por cima é inigualável. Agora, toda vez que o dia está nublado, eu lembro do quão incrível ele é, eu apenas estou vendo do lado errado.

O gerente competente tem essa mentalidade, ele sabe que existem maneiras mais eficientes de fazer as coisas e não se desespera quando se depara com algum obstáculo. Avalia todo o cenário, analisa o mercado, estuda os números e, invariavelmente, encontra  uma solução ao assimilar um novo ponto de vista.

Outra analogia importante é fruto de uma lição que muitos de nós aprendemos com videogames. Algumas vezes, ficávamos “empacados” em algum jogo ao nos deparar com situações muito complicadas, cheias de enigmas e desafios.

Com isso, o nível de dificuldade para evoluir para a próxima fase ficava muito alto e nossas habilidades não pareciam suficientes. Porém, tínhamos a certeza de que sempre existia uma saída, nós é que ainda não havíamos conseguido encontrá-la.

Esse mindset ajudava muito a manter nosso foco em encontrar uma solução, diferente do que acontece no mundo dos negócios, quando uma “fase difícil” é vista como uma barreira impossível de ser ultrapassada e, para piorar, atribuímos a responsabilidade a qualquer outra coisa ou pessoa, e não a nós mesmos.

Um gerente eficiente possui o mindset correto, assume a responsabilidade e busca outros pontos de vista de maneira racional, até encontrar uma saída. Ele não desiste no primeiro (nem no próximo) obstáculo.

 

Referências: O Livro dos Negócios, diversos autores, 2014. Gerenciamento da Rotina, Vicente Falconi, 2013. O Lado Difícil das Situações Difíceis, Ben Horowitz, 2014. O MBA da Vida Real, Jack Welch e Susy Welch, 2015. O Manual do CEO, Josh Kaufman, 2012. Administração teoria, processo e prática. Idalberto Chiavenato, 2015. Teoria Geral da Administração, Antonio Cesar Amaru Maximiano, 2012. Execução, Larry Bossidy e Ram Charam, 2010.

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