A estratégia vence o mercado
O pensamento estratégico que lutou tantas guerras, definiu o destino de nações, venceu nos negócios e no esporte tem outros adeptos.
O mundo dos investimentos também não seria o mesmo sem a estratégia aplicada por pessoas notáveis. A mais celebrada delas, o Oráculo de Omaha, o homem que mudou a nossa concepção sobre investimentos e alcançou o topo: Warren Buffett.
Buffett não escreveu livros, mas escreveu cartas para seus acionistas todos os anos, desde 1965. Não deu muitas entrevistas, mas compartilhou suas ideias nas apresentações anuais de sua empresa, um evento que acabou ficando conhecido como o Woodstock do Capitalismo.
Duas fontes valiosas para entendermos melhor o seu legado e conhecermos a estratégia que venceu o mercado nos últimos 55 anos, dobrando os ganhos em relação ao índice S&P 500 (de 1964 a 2020, seus ganhos compostos anuais foram de 20% vs. 10% da S&P, incluindo os dividendos).
Contexto
Surge um capitalista
Warren Buffett nasceu em 30 de agosto de 1930 em Omaha, no estado americano de Nebraska. Algumas poucas passagens de sua infância são suficientes para entendermos que ele não veio ao mundo a passeio.
Em 1936, com 6 anos, começou seu primeiro negócio. Comprava um pack com 6 latas de Coca-Cola por 25 cents, na Buffet & Son, a mercearia da família, e as revendia na vizinhança por 5 cents cada uma. Foi quando observou “a extraordinária atratividade e possibilidades comerciais do produto.” (carta de 1989).
O que parecia brincadeira de criança, foi ficando mais sério.
Com 10 anos já tinha lido todos os livros sobre investimentos de seu pai e também da Biblioteca Pública de Omaha. “Alguns deles, 2 vezes”, afirmou na reunião de 2007, aproveitando para recomendar que “bons investidores deveriam ler tudo aquilo que conseguirem.”
Em 11 de Março de 1942, teve sua primeira experiência no mercado de ações, investindo todos os 114,75 dólares que havia acumulado em sua longa carreira, dos 6 aos 12 anos de idade.“Eu havia me tornado um capitalista, e me senti ótimo” (carta de 2018).
Warren continuou suas leituras, empreitadas e investimentos e logo ingressou na Universidade de Nebraska. Após a conclusão do curso, foi para a Columbia Business School, onde conheceu o professor Benjamin Graham.
Autor do famoso livro “O Investidor Inteligente”, Graham é considerando o pai do “value investing” e suas ideias haviam chamado a atenção de Buffett.
Durante o curso, Buffett se destacou e, após alguma insistência, acabou entrando para a Graham Newman, a empresa de investimentos de Benjamin. Os próximos anos foram decisivos para Buffett:.
“Durante os 9 anos anteriores, eu adorava analisar, comprar e vender ações. Mas, meus resultados não eram melhores que a média. Em 1951, minha performance começou a melhorar. O único novo ingrediente foram as ideias do Ben.
É bem simples, algumas horas de convívio com um mestre se provaram mais valiosas do que passar dez anos desenvolvendo minhas próprias ideias.
Além de ser um grande professor, Ben foi um amigo maravilhoso. Minha dívida com ele é incalculável”.
Warren Buffett (carta de 2000)
Buffett também percebeu outra dificuldade que precisava superar, “naquele época ficava apavorado e me sentia fisicamente doente só de pensar em ter que falar em público.” (reunião 2008).
Foi quando, em 1951, fez um curso com Dale Carnegie, aquele mesmo, do famoso livro “Como fazer Amigos e Influenciar pessoas.”
O aprendizado com Carnegie foi outro marco na carreira de Buffett, “Aquele curso de $100 dólares me deu a mais importante habilidade que tenho. Certamente foi esse aprendizado que teve maior impacto em relação ao meu sucesso.” (reunião 2008).
Hoje, ele afirma que seus diplomas da Universidade de Nebraska e Columbia estão guardados em algum lugar, porém, o diploma do curso de Dale Carnegie está “orgulhosamente exposto na parede do meu escritório”.
Logo, em 1956, Buffett passaria a gerenciar dinheiro de outras pessoas, por meio de parcerias de investimento.
“Naquele ano, praticamente todo meu dinheiro e o da minha esposa estavam investidos nesses fundos.
Eu não recebia salários ou taxas de administração fixas. Era recompensado apenas se trouxesse um retorno anual de, pelo menos, 6%. Felizmente, sempre superamos esse número.
Com o passar dos anos, boa parte dos recursos de meus pais, sobrinhos, tias, tios e primos estavam investidos em alguma dessas parcerias.”
Warren Buffett (carta de 2020)
Em 1962 já tinha 12 parcerias diferentes e optou por juntar todas elas em uma única unidade, a Buffett Partnership Ltd.
A empreitada teve bastante sucesso e Buffett estava cada vez mais preparado. Um dos principais aprendizados de sua vida, no entanto, ainda estava por vir.
O destino cruzaria a história de Buffett com a história de uma resiliente empresa da industria têxtil de New England.
A máquina de Warren Buffett
No Crash de 1929, uma grande consolidação do setor têxtil resultou na criação da Berkshire Fine Spinning Associates, Inc.
A incorporação dessas empresas, inclusive algumas que existiam desde 1806, criou uma operação responsável por cerca de 25% de toda produção de tecido de algodão fino dos Estados Unidos.
Apesar da lucratividade não ter acompanhado o volume de produção nos anos seguintes, o aumento de consumo no período imediato após a Segunda Guerra Mundial deu algum fôlego e as incorporações continuaram.
Em 1955, após uma fusão com a Hathaway Manufactoring, Co., uma empresa de produção de tecido sintético e de algodão, fundada em 1888, a operação passou a se chamar Berkshire Hathaway, Inc..
A partir daquele momento a empresa contava com cerca de 10 mil funcionários e uma planta produtiva de mais de 500 mil metros quadrados. Mas, o desempenho operacional não melhorou, culminando em resultados financeiros decepcionantes.
Em 1962, Warren Buffett e a Berkshire Hathaway finalmente se encontram.
Devido aos fracos resultados, as ações da empresa estavam sendo vendidas por um preço abaixo de seu valor. Buffett percebeu a oportunidade e foi as compras.
“Eu comprei as primeiras ações da Berkshire em dezembro de 1962. Estavam sendo vendidas a $7,50 e o seu capital de giro por ação era de $10,25.” (carta de 2014).
Ao perceber que a investida se intensificava, um dos executivos da Berkshire negociou a recompra das ações que Buffett havia adquirido, na tentativa de manter o controle da empresa. Eles chegaram a entrar em um acordo, porém, quando os contratos estavam prontos, o valor oferecido era diferente do que havia sido combinado.
Buffett não gostou da atitude e, irritado, atacou por outro lado, comprando todas as ações descontadas que podia, assumindo o controle da empresa em Maio de 1965, numa aquisição hostil digna de Rockefeller.
A operação têxtil
A Berkshire ainda iria permitir que Buffett criasse seu império. Naquele momento, no entanto, a aquisição não fazia sentido.
Muito tempo depois, na carta de 2014, deu seu veredito sobre o negócio:
“Devido a nossa atitude infantil, aquele executivo em breve seria demitido e eu me vi com 25% do capital da Buffett Partnership investido em um negócio terrível, sobre o qual eu sabia muito pouco.”
Mas, até chegar a essa conclusão, Buffett ainda viveria uma relação de amor e ódio com a operação. Ler os comentários sobre o negócio em suas cartas é interessante, instrutivo e surpreendentemente divertido:
- Em 1967, comunicou sobre pesquisas que mostravam declínio na demanda por tecido de algodão.
- Em 1975, após muitas tentativas de melhorar a operação, acertou a aquisição de outra empresa de produção de tecidos, a Waumbec Mills Incorporated, acreditando que a sinergia poderia representar uma virada (turnaround).
- Em 1976, afirmou que, apesar dos resultados decepcionantes, continuava a procurar maneiras de melhorar a operação. Mas reconhecia que “o negócio não oferecia expectativas de alto retorno”.
- Em 1977, apontou que alguns acionistas da Berkshire estavam questionando a sua sabedoria de insistir no mercado.
- Por algumas vezes justificou a permanência da operação, por acreditar que com “trabalho duro” conseguiriam resultados melhores.
- Em 1985, comunicou que havia decidido encerrar a operação, alegando como um dos principais motivos, o consumo excessivo de caixa.
- Em 1989, afirmou que a compra da Berkshire Hathaway foi um erro. “Embora eu soubesse que o setor têxtil não era promissor, eu fiquei tentado a comprar devido ao preço baixo. Compras desse tipo haviam se provado razoáveis nos anos anteriores. Depois disso eu comecei a perceber que essa estratégia não era a ideal.”
- Em 2010, afirmou que a coisa mais “idiota” que poderia fazer seria procurar oportunidades de melhorar e expandir uma empresa que havia perdido dinheiro por uma década, mas foi exatamente o que fez em 1965. “… e então, em uma decisão brilhante, eu fui lá e comprei outra companhia têxtil (Waumbec). Aaaaaaaargh!”
“Durante 18 anos, lutei incessantemente para o negócio têxtil prosperar, mas sem sucesso. Teimosia e estupidez, porém, têm seus limites, em 1985 eu finalmente joguei a toalha e fechei a operação.”
Warren Buffett (Carta de 2014).
Como veremos mais adiante, os aprendizados com a operação têxtil serviriam de inspiração para muitas de suas estratégias no futuro.
Porém, não podemos acreditar que aquele menino, que com 6 anos já havia entrado no mundo dos negócios, passaria 18 anos de sua vida apenas focado em uma operação sem potencial de sucesso.
Desde de seu início na Berkshire, Buffett tinha outros planos. O que nos faz até questionar se a manutenção da operação têxtil por tanto tempo, não foi uma decisão meramente política.
De qualquer forma, os demais acionistas estavam sendo preparados para uma mudança radical na estratégia da companhia.
Na carta de 1966, o segundo ano após assumir o controle, começou a acumular caixa e afirmou que “além da natureza cíclica do negócio, existem outras razões para mantermos uma condição financeira forte e ativos líquidos. A companhia têm buscado fazer novas aquisições dentro e, oportunamente, fora do setor têxtil.”
E foi além, “…é intenção da direção de realocar parte do capital que temos investidos em plantas, estoques e recebíveis para o mercado de ações. Isso deve nos gerar, não apenas maior valorização, mas também nos dá a oportunidades de participar de ganhos derivados de fora do negócio têxtil.”
Talvez nunca saibamos se essa foi sua intenção desde o início, mas, no final das contas, a aquisição da Berkshire Hathaway se mostraria muito vantajosa para o ímpeto de Buffett.
Em sua empresa anterior, a Buffett Partnership, que funcionava como um fundo de investimentos, os investidores poderiam solicitar seu capital a qualquer momento, prejudicando as estratégias de longo prazo de Buffett.
Já com a estrutura corporativa da Berkshire, quando os investidores vendiam sua ações no mercado secundário, isso não afetava o capital disponível da empresa. O dinheiro sairia apenas se houvesse pagamento de dividendos.
Assim, pôde usar o capital disponível com maior liberdade e colocar em prática tudo que havia aprendido vendendo Coca-Cola, devorando livros, testando estratégias ou absorvendo todo conhecimento possível de seus mentores.
Hoje, 56 anos depois, a Berkshire Hathaway é considerada uma das maiores empresas do mundo pelo ranking Global 2000, da Forbes (Iink). O melhor indicativo possível de que suas estratégias funcionaram muito bem e valem a pena ser estudadas.
Ao ler todas as suas cartas, encontrei as estratégias mais relevantes para que Warren Buffet e a Berkshire Hathaway tenham alcançado tanto sucesso:
- Alavancagem com float
- Alocação de capital
- Visão empreendedora
Alavancagem com float
“Poucos investidores entendem que o float é um dos segredos de sucesso da Berkshire.” – Charlie Munger
Muitos de nós já ouvimos falar da Berkshire, mas, pelo menos para mim, tratava-se “apenas” de uma holding que investia nas empresas que considerava mais promissoras.
Porém, ao me aprofundar um pouco mais, me deparei com outra constatação, o core business da Berkshire, na verdade, é o seguro, como o próprio Buffett afirmou na carta de 2002.
Essa estratégia foi desenhada logo no início da jornada de Buffett, em março de 1967, quando a Berkshire anunciou a aquisição da seguradora National Indemnity Company (NICO), por 8.6 milhões de dólares.
Resumidamente, funciona assim:
Para assinar com uma empresa de seguros, o cliente paga um prêmio. Esse valor precisa ser reservado pelas seguradoras para que elas possam repassar aos mesmos clientes em caso de sinistro.
Essa reserva, é o float.
Acontece que a legislação dos Estados Unidos permite que esse valor possa ser reinvestido com maior liberdade pela seguradora, desde que ela garanta que tenha condições de pagar os clientes quando necessário.
Ou seja, o float se provou uma fonte de capital fluída e barata para que a Berkshire pudesse alavancar seus ganhos em outros investimentos.
“Todos os ganhos provenientes da operação de seguros estão sendo retidos para construir poder adicional de capital. Nossos investimentos nessas companhias representam um primeiro grande passo dos nossos esforços para alcançar uma base mais diversificada de receita.”
Warren Buffett (carta de 1967)
As aquisições de companhias do setor foram aumentando ao longo dos anos. Em 1971, por exemplo, comprou uma empresa do ramo de seguro residencial e de automóveis de Chicago, em 1992 adquiriu uma empresa que fazia pagamentos mensais para clientes desempregados ou inválidos e em 2005 adquiriu uma seguradora de pequenos negócios.
Logo, a Berkshire passou a ter participação relevante no mercado de seguro, em todos os principais segmentos.
Esse cenário gerou um crescimento muito rápido de reserva de capital. Para se ter uma ideia, em 2007, o float financiava 59 bilhões de dólares dos investimentos da Berkshire, em 2015 já eram $88 bilhões e atualmente $138 bilhões.
Buffett havia encontrado seu sweet spot, “eu entendia e gostava da indústria”, disse na carta de 2014.
Claro que o negócio também era arriscado. Em 1989, o furacão Hugo representou uma despesa de 4 bilhões de dólares, em 2001 o ataque terrorista do 11 de Setembro gerou o maior prejuízo da história das companhias de seguro, estimado em 35 bilhões de dólares, em 2005 os furacões Katrina, Rita e Wilma custaram 11,5 bilhões de dólares apenas para a Berkshire.
Apesar de tantos reveses ao longo dos anos, a estratégia funcionou muito bem. Trata-se da “operação de maior valor da Berkshire nos últimos 53 anos” (carta de 2020).
Com toda essa reserva de capital disponível, Buffett tinha combustível para transformar a antes pacata Berkshire Hathaway em uma máquina de ganhos financeiros. Mas, para que isso fosse possível, precisaria saber muito bem como destinar esses recursos.
Alocação de Capital
“Quando investimos, nós nos vemos como analistas de negócios, não como analistas de mercado, analistas de macroeconomia ou, sequer, analistas de investimentos” – Warren Buffett (carta de 1987)
Talvez essa seja a estratégia que mais ensinamentos podemos tirar. Cada carta feita por Buffett é uma verdadeira aula de investimentos. Por isso, vamos aprofundar um pouco mais.
O capital da Berkshire foi alocado nos mais diversos ativos possíveis, passando pela moeda brasileira, derivativos de prata e títulos públicos americanos.
Mas, o grande motor da Berkshire seriam as empresas compradas por Buffett, o investimento em equity.
Em 1975, a estratégia, que se mantém até hoje, já estava definida:
“Nossos investimentos em equity serão concentrados em poucas companhias, cuja seleção será baseada em características econômicas favoráveis, gestores competentes e honestos e um preço de compra atrativo. Enquanto tais critérios forem mantidos, nossa intenção é manter o investimento por muito tempo.”
Para entendermos melhor o pensamento estratégico por trás da seleção de empresas de Warren Buffett, vamos analisar cada um desses aspectos.
Poucas companhias
Investir em um número reduzido de empresas pode ser contra intuitivo para maioria de nós, pequenos investidores, que somos bombardeados com as vantagens da diversificação.
Já para Buffett, a política é concentrar.
“Diversificação não faz sentido para alguém que sabe o que está fazendo, trata-se de uma proteção contra a ignorância, uma confissão de que você não sabe o que está fazendo”, (reunião de 1996).
Alguns argumentos foram elencados por Buffett ao longo dos anos para defender esse ponto de vista. O principal deles é a escassez de empresas que atendam todos os critérios da Berkshire:
“Nós tentamos evitar comprar um pouco disso ou daquilo quando não temos certeza sobre o negócio e o seu preço. Quando estamos convencidos de sua atratividade, nós acreditamos em investir alto.” (carta de 1978).
E isso nos leva a um importante aspecto da estratégia de concentração de Buffett, certamente influenciado pela experiência no setor têxtil: investir apenas em empresas que estão dentro do que ele chama de círculo de competência.
“Nós não investimos em negócios cujo futuro nós não conseguimos avaliar, não importa o quão excitante seus produtos possam ser.” (carta de 2009)
Um exemplo clássico do círculo de competência é a sua relação com o setor de tecnologia. Por muito tempo, a Berkshire foi resistente em investir nessas empresas.
Em 1999, no auge da bolha da internet, Buffett foi categórico:
“Embora nós compartilhemos a visão geral de que nossa sociedade será transformada pelos produtos e serviços de tecnologia, nós não investimos em empresas do setor. Nosso problema (o qual não conseguimos resolver com análises) é que nós não temos ideia de quais participantes do setor possuem uma vantagem competitiva real e durável.”
Buffett concluiu dizendo que uma das principais forças da Berkshire é “reconhecer quando estão operando dentro do círculo de competência e quando estão se aproximando do perímetro.”
Esse pensamento evitou enormes prejuízos quando a bolha estourou, um ano depois.
Buffett ainda resistiu por algum tempo, mas com a consolidação das empresas e o entendimento das vantagens competitivas duráveis do setor, a tecnologia finalmente foi para dentro do perímetro. Assim, Buffett fez diversos investimentos na área, como Amazon em 2001, Apple em 2017 e na brasileira Nubank em 2021.
Outro componente importante da estratégia de concentração é evitar algumas ciladas comportamentais. Em 2004, Buffett concluiu que os principais motivos que levam a maioria dos investidores a resultados que variam entre o medíocre e o desastroso são os seguintes:
- Altos custos, normalmente porque negociam excessivamente, pagando altas taxas e impostos.
- Decisões de portfólio baseadas em dicas e modismos.
- Estratégias de entrada e saída com marcação a mercado (ou seja, definir e travar um preço alvo para sair da operação, seja na alta (stop gain) ou na baixa (stop loss)).
Felizmente, Buffett deixou muitos conselhos valiosos que podem nos ajudar a evitar tais armadilhas:
- “Investimentos de sucesso não são encontrados por meio de fórmulas, programas de computador ou desenhos que surgem nos gráficos de preços das ações. Um investidor apenas irá prosperar se aprender a analisar bem um negócio, souber lidar com as emoções super contagiosas do mercado, avaliar cuidadosamente os fatos e exercitar continuamente a disciplina.”(carta de 1988).
- “O que acontece em Wall Street é que aquilo que os sábios fazem no início, os tolos fazem no final.” (carta de 1989).
- “Enquanto estiver dentro do círculo de competência, o investidor que possuir o mindset certo e um temperamento compatível se sairá bem.” (reunião 1993)
- “Investir com sucesso não requer grande inteligência, mas uma extraordinária disciplina que poucos têm. O que aprendemos com a história é que as pessoas não aprendem com a história”. (reunião 2004)
- “A regra geral é evitar o que estiver quente, as melhores oportunidades estão escondidas no meio da confusão. A chave é comprar quando os outros estiverem paralisados, seguir a lógica, não a emoção e focar no que é importante e conhecido, não na opinião da maioria“. (reunião 2006).
- “Em alguns momentos os preços estarão tão altos, que será melhor buscar outras oportunidades, como títulos de renda fixa, ou simplesmente esperar, algo que a maioria dos investidores não faz”. (carta de 2010).
- “Você não precisa ser um expert para alcançar resultados satisfatórios. Mas, deve reconhecer suas limitações e seguir uma estratégia que funcione razoavelmente bem. Mantenha as coisas simples. Quando te prometerem lucros rápidos, responda com um ‘não’ ainda mais veloz“. (carta de 2013).
Características econômicas favoráveis
“Um investidor comum, que detém apenas uma pequena participação em ações, deveria analisar a empresa com a mesma tenacidade que teria se fosse dono de 100% da companhia.” – Warren Buffett (carta de 1993).
Outro aspecto importante de suas estratégias de alocação de capital e seleção de empresas diz respeito às condições econômicas da companhia.
De maneira bastante sucinta, podemos agrupá-las em 3 grandes grupos: moat, valor intrínsecoe estrutura financeira.
Moat
“Vantagem competitiva de longo prazo em uma indústria estável é o que buscamos em um negócio”. – Warren Buffett (carta de 2007)
A experiência com a industria têxtil fez Buffett concluir que turnarounds raramente acontecem e que “a mesma energia e talento são muito melhor empregadas em bons negócios com um preço justo do que um negócio fraco, comprado por uma pechincha.” (carta de 1979)
Buffett comentou, na carta de 1987, que muitos investidores fantasiam com grandes lucros futuros ao invés de encarar a realidade atual dos negócios. Para ele, as empresas que terão melhor retorno, normalmente, são aquelas que estão fazendo algo similar pelos últimos 5 ou 10 anos.
“Devo enfatizar que, como cidadãos, gostamos das mudanças. Novas ideias, novos produtos e processos inovadores melhoram o padrão de vida das pessoas. Como investidores, no entanto, nossa reação a uma indústria muito dinâmica é parecida com a nossa atitude em relação à exploração espacial: nós aplaudimos a empreitada, mas preferimos não aceitar a carona.” (carta de 1996)
É claro que isso não significa apoiar a complacência administrativa. Negócios sempre terão oportunidades de melhorar seus serviços, linhas de produtos, técnicas de produção e processos internos.
Obviamente, essas oportunidades devem ser atacadas. Mas, um negócio que faz grandes mudanças constantemente, simplesmente tem mais chances de errar.
“É mais difícil construir uma fortaleza em um terreno que está sempre mudando violentamente. Embora a destruição criativa seja altamente benéfica para a sociedade, ela traz incerteza aos investimentos.” (carta de 2007)
Buffett gosta dessa analogia, afirma que empresas que ”possuem um produto ou serviço necessário ou desejado, sem substitutos conhecidos e que não estejam sujeitas a regulação de preço” são como castelos cercados por um fosso (moat), que impede o ataque dos concorrentes e preserva seu negócio. (carta de 1991)
Um bom exemplo é o da Coca-Cola. Seu moat é indiscutível. A força da marca e o domínio de mercado, características que Buffett pôde perceber com 6 anos, são aspectos importantes e ajudam a explicar a prosperidade de uma empresa que está fazendo basicamente a mesma coisa desde seu início, em 1891.
Por isso, em 1988, a Berkshire começou a investir na Coca-Cola e não parou até hoje. Com uma fatia de 9,3% da companhia, o investimento acumula um crescimento impressionante. O custo total de aquisição de todas as 400 milhões de ações adquiridas ao longo dos anos, foi de $1,3 bilhão, atualmente elas estão cotadas a $21,9 bilhões.
É claro que tanto para a Coca-Cola, quanto para qualquer empresa, as tentativas dos concorrentes superarem seu moat é intenso e perene. Por isso, essa barreira deve ser mantida com todo zelo possível. Afinal, todos os dias, de diversas maneiras, a posição competitiva de cada negócio fica mais fraca ou mais forte.
“A dinâmica do capitalismo garante que competidores atacarão repetidamente ‘castelos’ com altos retornos. Portanto, uma barreira formidável, como a empresa ter o menor custo de produção ou possuir uma poderosa marca a nível mundial, é essencial para um sucesso sustentável.” (carta de 2007)
Se a empresa está encantando clientes, eliminando custos desnecessários e melhorando produtos ou serviços, ela fica mais forte. Mas, se tratarem seus clientes com indiferença ou tolerar excesso de despesas, o negócio irá enfraquecer.
No dia a dia, os efeitos dessas atitudes são imperceptíveis. Quando acumuladas, no entanto, as consequências são enormes.
“Quando melhoram a posição competitiva, dizemos que o moat foi ampliado. Fazer isso constantemente é essencial para termos o tipo de negócio que queremos em uma década ou duas.” (carta de 2005)
Valor intrínseco
A empresa que apresenta uma vantagem competitiva durável é séria candidata a se tornar alvo da Berkshire. Como Buffett afirmou na reunião de 1999, essa vantagem também afeta o valuation da companhia: “quanto maior o moat, menor a incerteza, melhor a previsão de fluxo de caixa futuro.”
Portanto, como moat conhecido, é hora de dar o próximo passo e entender quanto a empresa realmente vale.
Buffett acredita que o que realmente conta ao valorar uma empresa é o seu valor intrínseco.
Utilizando técnicas de fluxo de caixa descontado (cálculo da previsão de fluxos de caixa futuros, com desconto de uma taxa para obter valor presente), é possível compreender o valor real de uma empresa e, assim, compará-lo ao seu preço de mercado (total de ações disponíveis multiplicado pelo preço da ação).
Apesar de estar ciente que essa prática está sujeita a avaliações subjetivas, Buffett afirmou, na carta de 1994, que apesar de todo ruído, o valor intrínseco é a única maneira lógica de avaliar a atratividade relativa de investimentos e negócios.
Outras metodologias de valuation são descartadas por Buffett, como é o caso daquelas que se utilizam do EBITDA (trata-se dos ganhos antes de descontar os gastos com juros, impostos, depreciação e amortização):
“Será que os administradores que fazem referência ao EBITDA para valorar uma empresa acreditam que a fada do dente vai pagar essas despesas?” (carta de 2000)
Na carta de 2003, Buffet foi direto ao ponto: “Foque no valor intrínseco do ativo que você está considerando. Se você não estiver confortável com a estimativa de seus ganhos futuros, esqueça esse ativo e continue a busca. Ninguém tem a habilidade de valorar todo investimento possível.”
Estrutura Financeira
O terceiro grupo de estratégias para entender as características econômicas de uma empresa diz respeito à sua estrutura financeira.
Buffett gosta de investir em empresas que:
- Sejam financiadas de maneira conservadora e de alta liquidez, possuindo margens extras em seu balanço, com condições de produzir uma alta taxa de retorno do capital investido, excedendo as taxas da indústria como um todo. (carta de 1975)
- Sejam grandes, com valor de pelo menos $ 5 milhões após as taxas, com poder de ganho durável e consistente, pouca ou nenhuma dívida e modelo de negócio simples. (carta de 1982)
- Sejam lucrativas. Para isso, precisamos entender: (1) Quanto seus ativos ganham; (2) Quanto seus passivos custam e (3) a utilização de “alavancagem”, isto é, o grau em que seus ativos são financiados por seu passivo e não por seu patrimônio líquido. (carta de 1995)
- Possuam uma estrutura superior de custos, o que é fundamental para a sustentação de uma vantagem competitiva. (reunião 2001).
Ao escolher empresas, Buffet evita:
- Empresas que consomem muito caixa, ou seja, empresas intensivas de capital, outro aprendizado extraído da operação têxtil. (carta de 1980).
- Empresas complexas que precisam ser auditadas. “Se nosso sucesso dependesse de inspeções de fábricas, nós estaríamos com grandes problemas. Ao considerar uma aquisição, nós tentamos valorar as características econômicas no negócio – suas forças e fraquezas competitivas – e a qualidade das pessoas que estaremos nos unindo.” (carta de 1986)
- Empresas que apresentam relatórios financeiros vagos e superficiais. Esse tipo de análise traz algumas suspeitas sobre a metodologia de contabilidade empregada. “Frequentemente isso significa que querem esconder alguma coisa“. (carta de 2000)
- Empresas obstinadas em emitir novas ações. “Esse comportamento é um provável indicativo de uma gestão orientada à auto promoção, contabilidade fraca, ações caras demais e, com muita frequência, desonestidade absoluta.” (carta de 2013)
Gestores Competentes e honestos
“Nós não pretendemos nos unir a gestores que não possuam qualidades admiráveis, não importa quão atrativo sejam as projeções de seus negócios. Nunca fomos bem-sucedidos ao fazer bons negócios com uma pessoa ruim.” Warren Buffett – (carta de 1989)
Buffett enfatiza recorrentemente a importância de avaliar a gestão ao considerar a aquisição de uma empresa. Quando encontra bons gestores, eles são amplamente apoiados.
Um exemplo aconteceu logo em 1968, quando a Berkshire entrou no mercado editorial, comprando todas as ações da Sun Newspapers e da Blacker Printing e manteve todos os seus gestores em seus postos.
Uma prática que continuaria por anos. Foi em um desses movimentos que Buffett iniciaria uma parceria para toda a vida.
Em 1973, a Berkshire anunciou a compra da Diversified Retailing Company, que na época controlava uma série de outras empresas. Uma delas, a Wesco, tinha como CEO Charlie Munger, que hoje é vice chairman da Berkshire e divide os palcos e holofotes com Buffett, desde então.
Alguns atributos que considera importantes em um gestor:
- Eficiência – Nossa experiência nos ensinou que gestores de uma empresa eficiente, normalmente, continuam buscando métodos adicionais para cortar custos. (carta de 1978).
- Criação de Valor – Bons gestores transformam cada dólar retido em um dólar ou mais de valor de mercado. (carta de 1979)
- Gerenciamento – Gestores extraordinários possuem habilidades operacionais combinadas com a habilidade em alocação de capital. (carta de 1980)
- Consistência – Ben Graham me ensinou, 45 anos atrás, que não é necessário fazermos coisas extraordinárias para obtermos resultados extraordinários nos investimentos. Mais tarde me surpreendi ao perceber que isso também se aplica na gestão de um negócio. O que um gestor precisa é fazer o básico bem-feito e não perder o foco. (carta de 1994)
Além disso, Buffett toma um cuidado adicional ao avaliar os gestores. Em 1989, escreveu sobre uma “surpreendente força oculta” na gestão das empresas que batizou de “imperativo institucional”:
“Na universidade, não ouvi qualquer coisa sobre a existência desse imperativo e não fazia ideia de que ele existia quando entrei no mundo dos negócios. Eu pensava que gestores decentes, inteligentes e experientes tomariam decisões racionais automaticamente. Porém, com o tempo, aprendi que não é bem assim. A racionalidade dificilmente aparece quando o imperativo institucional está presente.”
Buffett oferece alguns exemplos:
- Como se fosse governada pela Primeira Lei de Movimento de Newton, instituições irão resistir a qualquer mudança em sua direção atual.
- Assim que o trabalho expande para preencher o tempo disponível, projetos corporativos ou de aquisição irão começar a surgir para comprometer todo o capital disponível.
- Qualquer desejo comercial do líder, por mais tolo que seja, será rapidamente apoiado por estudos estratégicos que mostram altas taxas de retorno, tudo preparado por suas tropas.
- Empresas semelhantes, estejam elas expandindo, adquirindo, estabelecendo remuneração dos executivos ou qualquer outra coisa, serão imitadas sem qualquer reflexão adicional.
- A maioria dos gestores tem pouco incentivo para tomar decisões inteligentes, quando apresentam a mínima chance de parecerem estúpidas. Dessa forma, acabam falhando, convenientemente, em grupo.
Líderes que compreendem e superam o imperativo institucional são raros e preferidos por Buffett.
Preço de compra atrativo
“A primeira regra da alocação de ativos: o que é inteligente por um preço é tolo por outro.” – Warren Buffett (carta de 2011)
Mesmo que um negócio atenda as premissas de alocação de capital da Berkshire, com características econômicas favoráveis e gestores competentes, ainda existe um risco: pagar caro demais pelo ativo.
Na reunião de 2008, Buffett comentou que depois de aprender como avaliar um negócio, os investidores deveriam se concentrar em aprender como lidar com as flutuações do mercado.
Isso não significa tentar prever o preço dos ativos. Ninguém tem ideia se o mercado irá subir, cair ou andar de lado no futuro próximo, nem mesmo Warren Buffett, Benjamin Graham ou Charlie Munger.
O que investidores desse calibre entendem melhor que os demais foi muito bem descrito por Buffett, na carta de 1986:
“O que nós sabemos é que surtos ocasionais de duas doenças super contagiosas sempre irão ocorrer na comunidade dos investimentos: medo e ganância. O momento dessas epidemias e as aberrações produzidas por elas são imprevisíveis. Portanto, nós nunca tentamos antecipar a chegada ou a saída dessas doenças.”
Buffett aprendeu esse conceito na marra, quando se arrependeu de ter adquirido a Berkshire apenas devido ao seu preço baixo.
Pessoas que compram por outras razões que não seja “valor”, normalmente, vão vender pelas mesmas razões. A presença desses agentes no mercado vai acentuar a flutuação errática de preços, que não tem qualquer relação com a performance do negócio.
Esse desconto ou sobrepreço dos ativos, causado por medo ou ganância, no entanto, não duram para sempre:
”Ao longo do tempo, a performance das ações normalmente se alinha com a performance do negócio“.(reunião de 1999). O preço de mercado e o valor intrínseco frequentemente seguem caminhos diferentes, alguns vezes por bastante tempo, mas eventualmente se encontram“. (carta de 2010).
Toda essa dinâmica oferece uma grande oportunidade para quem souber lidar com tais flutuações. “Investidores de verdade precisam lembrar que o mercado existe para servi-los, não para lhes influenciar.” (reunião de 1977).
Na carta de 2004, Buffett deixou um conselho que, ao meu ver, é um dos mais importantes para entendermos sua estratégia de investimentos:
“Investidores devem lembrar que euforia e despesa são seus inimigos. E se insistirem em definir o momento certo para negociar seus investimentos, deveriam tentar ter medo quando os outros estiverem gananciosos e serem gananciosos quando os outros estiverem com medo.”
Em 2008, por exemplo, no auge da crise imobiliária americana, a Berkshire fez investimentos robustos. A justificativa veio na carta de 2009: “O último ano foi o período ideal para investidores: O clima de medo é seu melhor amigo.”
Portanto, para quem estiver preparado, com caixa disponível, os mercados voláteis podem ser campos férteis de ganho de capital.
“No final, o que conta para o investidor é quanto ele paga por um negócio e quanto aquele negócio irá gerar de valor nas próximas décadas.” (carta de 2009).
Manter o investimento por muito tempo
“O tempo é o amigo das boas empresas e o inimigo das medíocres” – Warren Buffett (carta de 1989)
Algumas pessoas podem estranhar o conceito de “próximas décadas” quando está lendo sobre investimentos em ações. Afinal, é fácil perceber que existe um incentivo à hiperatividade, o termo “trader” está cada vez mais associado àquele que busca ganhar dinheiro em pouco tempo, vendendo ações recém adquiridas em questão de dias ou até de minutos.
Buffett, no entanto, segue outra linha de pensamento:
“Acredito que chamar de ‘investidor’ alguém que negocia ativos com muita frequência é a mesma coisa do que chamar alguém que gosta de aventuras de apenas uma noite de ‘romântico’”. (carta de 1991)
Quando adquire a participação em um negócio com características econômicas favoráveis e excelentes gestores, Buffett faz o oposto daqueles que correm pra vender quando a empresa vai bem.
Essa abordagem, fruto dos aprendizados de Graham, faz com que Buffett norteie seus investimentos pelos resultados da empresa, não por sua cotação no mercado de ações.
“Depois de comprar a ação de uma empresa, nós não nos preocuparíamos se o mercado fechar por 1 ou 2 anos. Nós não precisamos de cotações diárias de empresas que controlamos 100%. Por que deveria me importar com aquelas que detenho uma fatia menor?” (carta de 1993).
Em 1985, Buffett foi enfático ao dizer que, ao escolher ações, presta atenção na atratividade da compra, não na atratividade de uma possível venda no futuro.
“Nós compramos para manter”, afirmou em 1989.
Só existe um motivo que leva Buffett a acompanhar as cotações de um ativo que adquiriu: “Se os negócios continuam indo bem, as quedas dos preços das nossas ações são bem-vindas, pois trata-se de uma oportunidade de comprarmos ainda mais“. (carta de 1977).
A justificativa dessa estratégia veio na carta de 1987, quando disse que o mercado pode ignorar o sucesso de uma empresa por um tempo, mas eventualmente irá confirmá-lo.
Ao ignorar o preço que o mercado está negociando as ações de suas empresas, Buffett precisou desenvolver um método próprio para testar o desempenho dos ativos em seu portfólio.
Primeiro, ele nunca leva as avaliações anuais muito a sério. “Afinal, qual a relação entre o tempo que o planeta leva para circular o sol e os resultados corporativos?” (carta 1983). Buffett recomenda no mínimo 5 anos como um bom período para testar a performance de um negócio:
- O primeiro teste é o crescimento dos lucros, levando em consideração as condições do setor.
- O segundo teste, mais subjetivo, é se o seus “moats” estão aumentando.
Apenas isso.
Sem gráficos mirabolantes, fórmulas rebuscadas ou complexas análises macroeconômicas. Uma estratégia com regras simples e muito bem resumida na carta de 1986:
“’Até que a morte nos separe’. Essa é a única politica de investimentos que me deixa confortável, que produz resultados decentes e que deixa os gestores tocarem seus negócios livres de distração.”
Warren Buffett é um verdadeiro romântico.
Visão empreendedora
“Minha experiência nos negócios me ajudou como investidor e minha experiência em investimentos me ajudou nos negócios” – Warren Buffett (carta de 2014)
Investidor ou empreendedor? É difícil categorizar Warren Buffett em apenas uma dessas definições. Ele é reconhecido largamente por sua decisões de investimento, é verdade. Porém, suas escolhas como empreendedor são igualmente notáveis.
O fato é que o sucesso de Buffett não seria tão espetacular se não fosse sua visão empreendedora. A maneira como conduziu a Berkshire é um dos principais componentes de sua estratégia.
Para conhecermos um pouco melhor esse lado, vamos explorar as estruturas de capital e de gestão da Berkshire.
Estrutura de Capital
Conglomerado – Com o tempo, a Berkshire se tornou um grande conglomerado, em que uma série de empresas passam a ser controladas por meio dessa estrutura. Isso permite, segundo Warren, que a gestão possa tomar decisões mais racionais de alocação de capital.
Dessa maneira, a Berkshire pode, com taxas e custos reduzidos, mover largas somas de capital de um negócio, que tem oportunidades limitadas de investimento incremental, para outro com melhores possibilidades de retorno. Dinâmica que não seria possível se as empresas fossem independentes.
Outra vantagem é a possibilidade de adquirir ações de outras empresas não controladas, algo que não é comum nas demais estruturas corporativas.
Acima de tudo isso, a estrutura de conglomerado permite que a Berkshire possa crescer em uma escala muito maior, em relação às empresas focadas num único setor.
Finanças fortes – Para manter uma estrutura de capital saudável na Berkshire, Buffett considera 3 forças que devem ser mantidas em qualquer circunstância.
Primeiro, uma geração saudável de receitas. Além das empresas de seguro, a Berkshire mantém o controle de muitas grandes companhias com vantagens competitivas duráveis, que incrementam as receitas e mantêm a companhia rentável até em cenários adversos.
A próxima força é o caixa. Para Buffett, o caixa representa para um negócio o que o oxigênio representa para um indivíduo. “Nunca pensamos nele quando está presente, mas é a única coisa em nossa mente quando está em falta” (carta de 2013).
Por isso, a Berkshire mantém, no mínimo, 20 bilhões de dólares em equivalentes de caixa.
A terceira força é evitar grandes dívidas em um período próximo. “Nós nunca engajamos em operações ou práticas de investimento que possam resultar em demandas repentinas de grandes somas de capital” (carta de 2013).
Isso significa que a Berkshire não se expõe a obrigações ou riscos de curto prazo.
“Algumas vezes, nossos retornos podem ser penalizados por esse pensamento conservador, mas é o único jeito que nos sentimos confortáveis” (carta de 1980).
Ganhos retidos – Desde que assumiu a Berkshire, Buffett jamais pagou dividendos aos seus acionistas. Muitos deles, incluindo amigos próximos, cobraram publicamente que os lucros fossem repartidos.
Porém, na concepção de Buffett, isso não faria qualquer sentido. Por isso, em 2012, apresentou argumentos consistentes para manter tal pensamento.
A Berkshire poderia alocar esse ganho retido das seguintes maneiras:
Em primeiro lugar, existiria a possibilidade de reinvestir em suas próprias operações, como projetos para ganho de eficiência, expansão territorial, ampliar ou melhorar linhas de produto e, principalmente, aumentar o “moat” que as separa de seus concorrentes.
Para se ter uma ideia de como a Berkshire valoriza esse investimento, nos últimos dez anos, o valor realocado diretamente nas suas operações ultrapassou a casa dos 120 bilhões de dólares.
A Berkshire ainda possui outra vantagem ao reter os lucros: uma gama de opções de investimentos muito maior do que outras empresas ou investidores individuais.
“Ao longo de nossa história essa alternativa se provou muito útil, uma grande gama de opções sempre afia nossa capacidade de tomar decisões.” (carta de 2013).
Uma terceira maneira de utilizar esses ganhos retidos seria a recompra de ações, o que aumenta a participação de todos os investidores remanescentes da Berkshire.
Em 2020, por exemplo, aproveitou a queda do preço das ações devido à crise do coronavírus e recomprou 5,2% das ações disponíveis. Uma operação de 24,7 bilhões de dólares.
Em resumo, a Berkshire demonstra que sua capacidade de ganho de capital faz com que ambos, empresa e investidor, possuam mais dinheiro no futuro se ela não distribuir dividendos.
Para testar a aceitação de seus argumentos, Buffett fez uma pesquisa em 2015, e 97% dos acionistas da Berkshire votaram contra o pagamento de dividendos.
Estrutura de Gestão
A Berkshire é administrada pelo princípio de centralização das decisões financeiras e extrema delegação de autoridade operacional, concedida aos gestores de cada uma das empresas controladas.
Para se ter uma ideia dos efeitos dessa abordagem, em 2013, as empresas controladas pela Berkshire empregavam um total de 330.745 funcionários. Os funcionários diretos, no entanto, eram apenas 25.
Segundo Buffett, essa estrutura elimina grandes camadas de custos e aumenta significativamente a velocidade de tomada de decisão. (carta de 1979).
Além disso, como comentou em 1986, existe outro benefício importante, essa configuração permite que ele e Charlie Munger possam se concentrar em suas duas atividades principais:
A primeira é “atrair e manter gestores fantásticos” para administrar as várias operações da Berkshire.
“Nós pretendemos continuar nossa prática de trabalhar apenas com pessoas que gostamos e admiramos. Essa política não apenas maximiza nossas chances de bons resultados, mas também nos garante bons momentos.”
Buffett encontra os melhores gestores e deixa que façam seu trabalho. “Alguns gestores de nossas empresas falam comigo sobre suas decisões, outros não. Isso depende da personalidade deles” (carta de 1990).
Para conseguir isso, eliminou todo ritual não produtivo que normalmente acompanha o cargo do CEO. “Nossos gestores são totalmente responsáveis por suas próprias agendas” (carta de 1998).
Eles não fazem reuniões corporativas, orçamentos periódicos ou avaliações formais de performance. “A maior contribuição que eu e Charlie podemos oferecer para as operações das empresas controladas é o aplauso.” (carta de 1986).
A única coisa que Buffet faz é dar a cada um dele uma simples missão: “apenas administrem seu negócio como se (1) você tivesse 100% da empresa, (2) fosse o único ativo que você e sua família têm, (3) você não pudesse vendê-lo por pelo menos um século” (carta de 1998).
Quando um gestor talentoso administra um excelente negócio e com as condições certas, Buffett apenas aguarda eles mandarem os lucros para que possa fazer a sua outra tarefa, o que sabe fazer de melhor, reinvestir esse capital.
Manutenção da cultura corporativa, gestão de riscos e plano de remuneração dos gestores são outras atividades citadas ao longo dos anos. Porém, o foco na busca por talentos e a alocação de capital são as duas funções que melhor definem o trabalho de Buffett na Berkshire.
Para Finalizar
As lições de estratégia, empreendedorismo e investimentos de Warren Buffett são indiscutivelmente valiosas. Porém, a melhor maneira de finalizar esse artigo são algumas lições de vida, que podemos tirar de suas cartas e reuniões.
Aprendizado – Ao ler todos os livros que conseguiu desde criança, Buffett percebeu o poder que o conhecimento poderia lhe proporcionar.
Por isso, faz questão de incentivar o mesmo comportamento nas pessoas.
Na reunião de 2017, reforçou sua opinião de que “a vida só é bem vivida quando se está aprendendo, aprendendo e aprendendo o tempo todo”.
Gratidão – Warren Buffett se apoiou em gigantes para construir seu sucesso. Benjamin Graham, Dale Carnegie e Charlie Munger são apenas alguns dos nomes de peso que ajudaram Buffett a chegar onde chegou.
Encanta ver o quanto Buffett é grato por cada uma dessas pessoas e como faz questão de ressaltar isso sempre que pode.
Filantropia – Assim como Rockefeller, Buffett também se destaca na filantropia. Talvez seja um padrão daqueles que vencem o jogo da riqueza. Buffett já doou metade de sua fortuna, e 99% de sua riqueza está destinada a fundos de caridade.
Em 2006, garantiu que seus propósitos filantrópicos não tivessem nada a ver com vantagens tributárias. Pouco importaria se tivessem.
Paixão – A alegria com que Buffett faz seu trabalho está nítida em suas cartas. A maneira leve e descontraída que escreve sobre temas tão complexos só pode ser fruto de uma paixão verdadeira. Que seja pelo lucro.
“Berkshire é meu primeiro amor e isso nunca vai mudar. Não há trabalho mais divertido do que administrá-la e me considero um homem de sorte por estar onde estou” (carta de 1992).
Em 1990, numa apresentação em Harvard, um aluno perguntou quando ele planejava se aposentar. A resposta de Buffett foi rápida: “Aproximadamente uns 5 ou 10 anos depois que eu morrer.“
Referências: Cartas da Berkshire Hathaway, Warren Buffett, disponível em: https://www.berkshirehathaway.com/letters/letters.html, acesso em Julho de 2021. University of Berkshire Hathaway, Daniel Pecaut, 2018. Global 2000: as maiores empresas de capital aberto do mundo em 2021. https://forbes.com.br/forbes-money/2021/05/global-2000-as-maiores-empresas-de-capital-aberto-do-mundo-em-2021/#foto15, acesso em 23 de junho de 2021
Parabéns pelas postagens
Sobre modo excelente