Estratégia e política se encontram
Após conhecer um pouco do pensamento de Sun Tzu, vamos avançar no tempo e estudar outra figura notável do pensamento estratégico: Maquiavel.
Assim como Sun Tzu pode ser considerado um dos precursores da Ciência Militar, Maquiavel é considerado o pai da Ciência Política.
Usou a experiência, a observação e o estudo da história para entender as estratégias de grandes líderes que traziam o melhor resultado.
Considerado por muitos um fracasso como político, a sua verdadeira contribuição foi entender como a política realmente acontecia, sem utopias. Uma verdade nua e crua que eternizou seu legado.
Com sua principal obra, O Príncipe, o controverso italiano cravou o seu nome não apenas nos livros de história, mas também em nosso dicionário – uma honra para poucos – dando origem ao termo maquiavélico.
A conotação negativa que carrega seu nome, no entanto, é desconstruída facilmente quando conhecemos melhor o seu contexto.
Contexto
Nascido em Florença, no ano de 1469, Maquiavel cresceu em um cenário dominado por revoluções culturais, crises, agitações e muitas disputas políticas.
Uma época em que a família Médici deteve o controle público da cidade-estado por mais de 35 anos até ser destituída após a invasão da Itália pelos franceses em 1494.
Florença foi declarada uma república na ocasião e, em 1498, o primeiro envolvimento de Maquiavel com a política aconteceu.
Ele se tornou secretário da Segunda Chancelaria e passou os próximos 14 anos dedicado a missões diplomáticas, viajando por diversas cidades, com o objetivo de fortalecer a república recém-estabelecida.
Nesse período, trabalhou por algum tempo junto de César Bórgia, um estadista de ambição inescrupulosa que acabou se tornando uma das principais influências de Maquiavel.
Em 1512, em uma grande reviravolta, com roteiro melhor que uma série da Netflix, os Médicis retornaram ao poder.
Maquiavel foi exonerado de seu cargo e ficou exilado em sua fazenda até que, um ano depois, após ser acusado de tramar contra os governantes, foi preso.
Sua carreira política dificilmente seria retomada após a prisão, suas tentativas de conseguir um cargo público não estavam funcionando. Decidiu, então, por uma nova abordagem, presenteou o chefe da família Médici com um livro que continha tudo aquilo que havia aprendido com o estudo da política.
O presente pode até ter surtido algum efeito prático, pois ele ainda teve alguns cargos remunerados, de baixa expressão, até ser totalmente afastado da carreira política em 1527 e falecer naquele mesmo ano.
O seu livro, no entanto, teve um destino muito mais relevante. Apesar de se tratar de um gênero popular na época: conselhos a um príncipe; a sua obra superou todas as outras.
Logo nas primeiras páginas de O Príncipe, fica claro que sua intenção foi extrair insumos de uma política ideal, sob a ótica da ciência e pautada nas decisões estratégicas dos líderes mais bem-sucedidos de sua época.
O ponto comum que percebeu entre esses líderes tratava-se de uma rejeição total da moralidade cristã que imperava na época.
Maquiavel foi implacável ao abordar esse comportamento em forma de conselhos. Sem a mínima tentativa de romantizar ou amenizar seus relatos, contou como essas personalidades colocavam seus valores éticos de lado, sem qualquer pudor, caso atrapalhassem seu caminho.
Ele contou como as coisas realmente aconteciam, não um ideal próprio, por isso, foi, ao meu ver, injustamente considerado “maquiavélico”.
Como político, um fracasso, como cientista político, um sucesso.
O fato é que sua obra pode nos ajudar muito com os objetivos dessa série de posts: melhorar nossas estratégias e nos prevenir das estratégias de guerra usadas em tempos de paz.
A natureza humana
O realismo que Maquiavel colocou em seus relatos pode ser difícil de digerir. A maneira crua com que aborda temas controversos parece, de certa forma, cínica (na verdade, essa sensação é tão forte que há quem considere sua obra uma sátira, cujo objetivo seria alertar o povo de quão inescrupulosos os governantes podem ser).
Para compreendermos melhor seus pensamentos, precisamos entender que ele não considerava a moral ou a ética como assuntos políticos. Pelo contrário, a política deveria ser tratada em termos práticos e frios.
Como aborda O Livro da Política (diversos autores), da editora DK Londres, o senso comum da época dizia que o propósito do Estado era nutrir a moralidade de seus cidadãos. Não para Maquiavel, que o via como uma instituição cujo único papel seria garantir o bem-estar e segurança de seu povo.
Por isso, o certo e o errado são substituídos por noções de utilidade. A política deixa de ser medida por ideologias ou ideais e passa a ser medida por sua eficiência.
E o ponto de partida para um governo eficiente deve ser a análise da natureza humana.
Justamente o que Maquiavel havia feito durante anos, chegando à conclusão de que a maioria das pessoas é egoísta, de visão curta, volúvel e facilmente enganável.
Argumentou que essas falhas humanas deveriam ser estrategicamente exploradas por um líder que desejasse desenvolver uma sociedade próspera:
- O interesse próprio, por exemplo, pode ser visto como instinto de autopreservação do homem. Por isso, o medo pode fazê-lo reagir com atos de coragem, trabalho e cooperação.
- A tendência de imitar em vez de pensar das pessoas levou Maquiavel a concluir que isso poderia levar as pessoas a seguirem o exemplo de um líder e agirem de modo cooperativo.
- Traços como a volatilidade e a credulidade permitiriam que os humanos fossem facilmente manipulados por um líder habilidoso, para que se comportassem de modo benevolente.
- O egoísmo, manifestado no desejo de ganhos pessoais e ambição, poderia ser uma força motora, se canalizado corretamente, e seria especialmente útil para um governante.
Talvez você já esteja encontrando semelhanças com alguns governantes ou líderes que conheceu. Mas espere, ainda existe muita base oferecida por um florentino um tanto azarado há mais de 500 anos, para entendermos um pouco do que acontece hoje.
Assumindo o controle
As posições de liderança, segundo Maquiavel, poderiam ser conquistadas apenas de duas maneiras: por meio da virtù (mérito ou ação pessoal) ou da fortuna (contexto favorável).
A conquista pela virtù pode ser obtida, por exemplo, com uma carreira dedicada à política, por manipulação do clamor popular, pelo destaque em algumas habilidades, negociações ou, ainda, tomada de maneira atroz e violenta.
É claro que o caminho percorrido para o poder gera consequências:
“…assassinar os seus concidadãos, trair os seus amigos, renegar a fé, a piedade, a religião não são opções que podemos chamar de virtuosas. Por esses meios pode-se conquistar o poder, mas não a glória”
Hereditariedade, legado, simpatia do soberano e sorte são alguns dos exemplos de como se pode assumir a liderança por meio da fortuna.
É muito mais fácil, é claro, chegar ao poder devido a um contexto favorável, formado pelo acaso, no entanto, a manutenção de uma posição de liderança, obtida apenas pela fortuna, é muito mais frágil e suscetível à queda.
Para favorecer a virtù precisamos de planejamento, de ação e de uma capacidade ímpar de manipular a realidade. Para favorecer a fortuna só nos resta a esperança ou, no máximo, a reza.
Formando o governo
Independentemente de como chegou ao poder, o novo líder precisa formar seu governo imediatamente. Maquiavel nos alerta os seguintes pontos:
Ministros – A escolha dos seus ministros diz muito sobre o príncipe. Se eles forem capazes e fiéis, então a reputação do príncipe será de alguém dotado de inteligência. No entanto, é preciso atenção:
“Ao ver que um ministro preocupa-se mais consigo do que contigo e que por trás de cada uma das suas ações ressai a busca do seu pessoal proveito, teremos o sinal de que um homem de tal feitio jamais haverá de ser um bom ministro e o de que em circunstância alguma poderás nele confiar.”
Conselheiros – Não se engane, o príncipe deve inibir os bajuladores. Porém, deve selecionar algumas pessoas e lhe garantir total liberdade para que falem a verdade, fazê-los perceber que quanto mais livremente falarem, tanto melhor serão aceitos.
Essa deve ser a atribuição de poucos; e para que sejam e se mantenham úteis, é papel do príncipe garantir conselhos sensatos:
“Os homens mostrar-se-ão sempre pérfidos para contigo se não provarem da necessidade de fazerem-se bons. Em virtude disso concluímos que os bons conselhos, de onde quer que emanem, despontam forçosamente da sensatez do príncipe, e não a sensatez do príncipe dos bons conselhos.”
Política externa – A política externa deve ser uma das primeiras pautas de um novo governante. Um estrangeiro poderoso pode aliciar o apoio de gente local ou os potenciais aliados podem se esvair, dado a falta de garantias:
“O príncipe, ao assumir um novo principado, deve se tornar um defensor e, portanto, chefe dos vizinhos mais fracos, direcionar esforço para enfraquecer os fortes e estar sempre atento para que nenhum forasteiro tão poderoso quanto ele permaneça por perto.”
Ordem – Existem dois modos de se instaurar a ordem: com o uso das leis ou da força. O primeiro modo é próprio do homem, o segundo dos animais.
Como nem sempre o primeiro é suficiente, o príncipe precisa se valer dos dois. Esta condição de ser metade homem metade animal significa que o príncipe deve saber lançar mão de uma ou de outra natureza.
Quando precisar se valer de sua natureza animal, deve ser feroz como um leão, para amedrontar quem busca destituí-lo, e astuto como uma raposa, para reconhecer ciladas e armadilhas:
“Posto que a raposa mostra-se indefesa contra os lobos e o leão contra as armadilhas do homem, o príncipe proverá às suas carências conhecendo as armadilhas do homem (como uma raposa) e espavorindo os lobos (como um leão). Com efeito, aqueles que agem apenas como um ou outro revelam a sua inabilidade.”
Opinião Pública – A um príncipe, é necessário ter o povo ao seu lado. Aquele que acabou de tomar um estado, terá o apoio de parte da população, normalmente devido ao descontentamento com o antigo governo, e a rejeição de outra parte.
“O príncipe verá que é muito mais fácil obter a adesão daqueles que se sentiam satisfeitos com a regência anterior – e que por isso, ele, num dado momento, teve por inimigos – do que aqueles que, com ela descontentes, se fizeram seus aliados, auxiliando-o em sua empresa de ocupação.”
Os dois últimos pontos são complexos, difíceis e amplamente discutidos em toda nossa história.
As estratégias demonstradas por Maquiavel para se conquistar a ordem e a opinião pública, baseados em sua noção da natureza humana e visão política, podem ser separadas em três grandes temas: cultura, temor e liderança.
Cultura
A gestão da cultura ou “aculturamento” é diretamente influenciada pelo tipo de principado: Hereditário ou Nascente.
- Hereditário é aquele em que o novo líder já fazia parte daquela cultura, seja por herança do trono ou por ascensão em cargos públicos.
- Já o principado nascente se forma quando o novo governante vem de fora, normalmente por ter tomado o poder a força.
O primeiro é mais fácil de administrar, basta não mexer muito com o status quo. O nascente é mais complicado, a alternância de governos faz as pessoas sempre terem a esperança de que com um novo governante as coisas seriam melhores.
Ao instaurar uma nova ordem, o príncipe ganhará inimigos ferozes e tímidos defensores, a depender do benefício obtido por cada um. Essa timidez advém do medo dos adversários e da incredulidade dos homens que duvidam verdadeiramente do que é novo.
Por isso, o príncipe deve melindrar o povo, seja pela presença de tropas, seja por outras injúrias. O povo, por ter sido educado à obediência, mostra sua inépcia para viver em liberdade. Por consequência, demoram a pegar em armas, facilitando o domínio do novo príncipe.
Caso o principado nascente possua o mesmo idioma, cultura e costumes, basta extinguir a linhagem do antigo príncipe e não modificar suas leis e impostos. Se não houver alteração nos costumes, permanecerão pacíficos.
Agora, quando um Estado que vivia sob leis diferentes é conquistado, as coisas complicam de vez. Há três modos de impor o domínio nesse caso:
- Tornando a nova morada do príncipe – permitindo que possa antecipar problemas ou ameaças e que os funcionários tenham a quem recorrer.
- Consentindo que vivam as próprias leis – recolhendo um tributo e criando um governo oligárquico interior que coíba amotinamento.
- Destruindo-os –“Não há maneira mais segura de impor o domínio do que talar uma nova província.”Nem o tempo pode acabar com as rebeliões e os gritos de “liberdade”. O ódio tomaria conta da cidade, fortalecendo o desejo de vingança, a lembrança da antiga liberdade não as deixa impassíveis. O caminho mais seguro, portanto, será arrasa-las.
“Eis a razão da conveniência em instaurar-se uma ordem tal que, ao serem estes povos tomados pela descrença, possa-se fazê-los crer à força.”
Aqui observamos uma diferença crucial de Sun Tzu. Enquanto a estratégia do chinês aconselhava tratar os prisioneiros da mesma forma ou até melhor do que trata os próprios súditos, com o intuito de obter apoio na dissuasão do inimigo, Maquiavel entende que, em alguns casos, eliminar aqueles que eram fiéis ao antigo governo pode ser o melhor caminho para garantir a nova ordem.
Temor
Em qualquer cidade se encontram disposições contrárias: “de um lado o povo não quer ser controlado ou oprimido, do outro, os poderosos querem o exato inverso.”
Dessas duas vontades opostas surgem três possíveis efeitos: governo, liberdade ou desordem. Por isso, um governante que queira êxito deve impor seu governo, porém, fazê-lo de maneira estratégica.
“Do dito acima, aprendemos que, ao tomar um país, deve aquele que o ocupa levar a efeito todas as violências necessárias e praticá-las de uma só vez, assim isentando-se de reproduzi-las, poderá inspirar confiança aos homens e, fazendo-lhes o bem, conquistar a sua simpatia.”
As medidas impopulares, portanto, devem ser feitas imediatamente, de forma rápida e sem repetições, desde que os efeitos revertam em favor dos súditos.
Esse é um ponto central da obra de Maquiavel. Veja que não há uma intenção de usar a violência por motivos pessoais ou de índole maligna. Trata-se, segundo ele, de uma medida absolutamente racional, de ordem prática. Concordemos ou não, vale a pena tentar entender sua lógica:
- Afirmo que todo príncipe deve desejar ser tido por piedoso e não por cruel. No entanto, ele deve tomar o cuidado de não fazer mau uso dessa piedade.
- Um homem que de profissão queira fazer-se permanentemente bom, não poderá evitar a sua ruína, cercado de tantos que bons não são. Assim, é necessário a um príncipe que deseja manter-se príncipe aprender a não usar a bondade, praticando-a ou não de acordo com as injunções.
- Entre ser amado ou temido, o ideal seria ser os dois. Mas, visto que é difícil ser os dois, quando tem que se renunciar de uma das duas, é mais seguro ser temido.
- Isso porque a natureza humana e volúvel, os homens são, genericamente, ingratos e dissimulados, fugidos quando há perigo e cobiçosos.
- Enquanto agir em seu benefício, o povo ficará ao lado do príncipe amado, porém, quando este tiver que tomar decisões impopulares, o povo se esquiva.
- E se os homens têm menos receio de conspirar contra aquele que se faz estimar, do que contra aquele que se faz temer é porque a estima mantém-se a mercê de um compromisso.
- Compromisso do qual, por serem os homens perversos, sempre vê-se rompido em favor de interesses pessoais, ao passo que o temor está assente sobre o medo de punição que não os abandona jamais.
- Ser temido, no entanto, não significa ser odiado. Se precisar, por exemplo, atentar contra o sangue de alguém, deverá fazê-lo com uma decorosa justificação e com uma razão manifesta.
Além disso, o temor do povo não deve ficar restrito a disciplina imposta pelo líder. Lembre-se que o príncipe e o Estado devem ser percebidos como indispensáveis. Por isso, outros medos são explorados em nome da segurança e bem-estar dos cidadãos, como a escassez e as ameaças:
- Escassez – “Na gestão de recursos do principado há mais prudência em ater-se à reputação de miserável do que de demasiadamente liberal. A liberalidade pode levar um povo a ruína e fará o príncipe ser odiado.”
- Ameaças – “Preconizo que um príncipe não tenha outro objeto de preocupações nem outros pensamentos a absorvê-lo, e que tampouco se aplique pessoalmente a algo que fuja dos assuntos da guerra e à organização e à disciplina militares.”
Maquiavel considera que a guerra é uma arte de tal importância que “não somente afirma no poder aqueles que tem o principado de berço, mas não raro faz com que homens de condição privada ascendam a esta dignidade“.
Por isso, mesmo em tempo de paz, o príncipe deve exercitar-se para a guerra. Além de manter bem disciplinados e exercitados os seus soldados, ele deverá praticar constantemente a caça. Assim, manterá seu corpo preparado e conhecerá o território e a sua natureza.
Um príncipe prudente jamais cederá ao ócio, mas empregará seus esforços a construir um aparato do qual possa se valer na adversidade.
Deve também meditar constantemente sobre a guerra. Ler os relatos da história e neles considerar as ações dos grandes homens; notar como comportaram-se nas guerras; examinar as razões de suas vitórias e das suas derrotas e, sobretudo, espelhar-se em algum precedente louvado e celebrado.
“Os mais importantes alicerces de qualquer Estado são as boas leis e os bons exércitos.”
Liderança
As características que um governante deve possuir, segundo Maquiavel, são muito interessantes e, mais uma vez, controversas para a nossa cultura atual.
Algumas são mais confortáveis de se discutir:
- Se o príncipe estriba-se no povo é um príncipe apto ao comando; que não se aterroriza na adversidade; que não negligencia a tomada de outras precauções; que, pela sua bravura e pelas suas ordens, sustenta o ânimo coletivo.
- As ações do príncipe devem transparecer a grandeza e a coragem, a austeridade e a firmeza.
- Se os tempos e as circunstâncias mudarem, ele cairá em ruínas não alterando seu comportamento.
- Nada faz um príncipe ser tão estimado quanto o fazem as suas grandes ações e os notáveis exemplos que ele de si oferece.
- Os estados bem governados e os príncipes prudentes sempre cuidarão para não levar desespero aos grandes e para agradar e contentar o povo, esta é uma das mais importantes tarefas que incubem a um soberano.
Dedicação ao povo, grandeza, coragem, firmeza, adaptabilidade e exemplo são atributos de liderança que todos nós podemos, de alguma maneira, concordar e certamente já vimos nos livros atuais.
A complexidade humana, no entanto, faz com que tais definições não possam ser tão simplistas. Para realmente entender as atribuições do líder, precisamos ir além dessa superfície.
Como vimos, para Maquiavel, o sucesso de um governante é julgado pelas consequências de suas ações e seu benefício para o Estado, não por sua moralidade ou ideologia. Nas atitudes dos príncipes, o fim é o que importa, não o meio (daí aquela famosa frase):
“Trate, portanto, um príncipe de conservar o Estado. Os meios que empregar serão sempre julgados honrosos e louvados por todos, pois as massas se deixam levar por aparências e pelas consequências dos fatos consumados.”
Assim, ações como o uso da força e da violência podem ser usados pelo príncipe para manter a segurança e a ordem.
A maioria das promessas feitas por um soberano prudente não pode nem deve ser cumprida. Uma vez que, para manipular os “aspectos indesejáveis da natureza humana“, é essencial que um governante possa ser “enganoso e não honre a sua palavra”, pois agindo de outra forma, ele colocaria em risco seu governo, ameaçando a estabilidade do Estado.
E, assim como a vitória na guerra depende de espionagem, inteligência, contrainteligência e engano, o sucesso político exige segredos, intriga e dissimulação.
“Todos sabem o quanto é louvável para um príncipe se manter leal e viver com integridade; mas, pela experiência do nosso tempo, percebe-se terem alguns príncipes realizado grandes feitos, levando em pouca conta a palavra dada, confundindo, pelo engano, as mentes dos homens.”
Pode parecer contraditório, mas, tudo isso deve ser utilizado unicamente visando o bem comum. Nada poderia ser feito na vida privada. Não se trata da defesa de um comportamento social, apenas de um fardo dos governantes.
Para finalizar
Ao meu ver, o pensamento mais importante para entender Maquiavel é a consideração de que o povo, antes de qualquer ideologia, quer que seu governante tenha força e coragem para colocar os interesses da população acima de qualquer coisa, até mesmo de seus interesses pessoais, moralidade ou ética.
Para entender as consequências e implicações dessa política, precisaríamos abordar outros de seus livros, como“Discursos sobre Lívio“, por exemplo, e fazer uma consulta histórica de muitos governos que foram influenciados por ele.
Mas o objetivo desse post é aprender com a estratégia que sustenta sua política e usar esses ensinamentos de alguma maneira em nossas carreiras e negócios.
Pode ser, no entanto, que os conselhos de Maquiavel não se apliquem à maioria de nós.
Quando adaptados para a nossa realidade, além da política, seus ensinamentos podem ser utilizados por líderes de grandes corporações, como CEOs, empreendedores e investidores que comandam verdadeiros impérios, competindo em um ambiente feroz, que se utiliza das mais diversas abordagens estratégicas.
Porém, mesmo que não estejamos em posição de sequer considerar seus argumentos, ele nos ajuda a entender como a guerra dos negócios funciona.
Troque os ministros de Maquiavel por vice-presidentes ou diretores, os conselheiros por consultorias, mentores, informações privilegiadas ou espionagem industrial, a política externa por M&A, aquisições hostis, inovação aberta, barreiras de entrada, cartéis, holdings ou monopólios, a ordem por processos internos e governança, a opinião pública por endomarketing, persuasão, publicidade ou RP, o temor por demissões, austeridade, concorrência, competitividade interna ou repressão e, assim, temos a obra adaptada para entender as grandes organizações corporativas.
É claro que podemos (e devemos) enxergar a diferença entre virtù e virtuoso, entre moralidade e pragmatismo, entre ética e eficiência e nortear nosso caminho seguindo alguns valores, talvez o fim só justifique o meio a depender dos princípios.
O que não podemos é ter a ingenuidade de pensar que todos farão o mesmo. Caso contrário, continuaremos sendo manipulados por nossas falhas humanas, acusando de grandes vilões maquiavélicos apenas aqueles cujas atitudes não nos favorecem.
Referências: Nicolau Maquiavel, eBiografia, disponível em: <https://www.ebiografia.com/nicolau_maquiavel/> O Livro da Filosofia, Diversos autores, 2011. Antologia ilustrada da Filosofia, Ubaldo Nicola, 2010, O Livro da Política, diversos autores, 2013. O Principe, Maquiavel, 1469-1527