Estratégia – Churchill

Uma questão de vida e liberdade

Nossa série sobre grandes estrategistas chega ao seu 4º artigo. 

Com Sun Tzu, aprendemos um pouco sobre a arte da guerra, com Maquiavel a arte da política e com Rockefeller a arte dos negócios.

Nesse texto, vamos falar de estratégia em uma das passagens mais dramáticas da nossa história recente: a Segunda Guerra Mundial.

Um palco ávido por todas essas artes. Um drama para colocar à prova todas as nossas crenças, para desafiar tudo que aprendemos e questionar tudo que acreditamos.

Uma jornada sem herói, mas com muitos atores e desfechos possíveis. 

No cenário da guerra, coadjuvantes se alternam no protagonismo, assim, surgem pontos de vista diversos. Nesse complexo e intrincado enredo, muitos personagens se destacam

O propósito dessa série não é procurar mocinhos ou algum exemplo de moral e de bons costumes.

Vamos falar de um astro da estratégia, que traz consigo todas as suas falhas, todos os seus erros e todo o lado negativo da sua persona, assim como os acertos que o ajudaram a salvar a Europa do mal maior.

Falaremos de algumas das estratégias e pensamentos do amado e odiado, do idolatrado e criticado, Winston Churchill.

Contexto

O fim da Primeira Guerra Mundial (1918) não trouxe a estabilidade que o mundo esperava.

A principal tensão, é claro, ficou com o lado derrotado. Além de todas as terríveis perdas da guerra em si, a rendição alemã trouxe consigo um pesado fardo para seu povo. 

No Tratado de Versalhes muitas condições foram impostas, algumas com o mero intuito de reparação de custos ou com a legítima tentativa de se manter a paz, outras, no entanto, apenas expressavam a raiva dos vencedores. 

A exigência que mais chocou os alemães não foi o fato de serem obrigados a assumir a culpa pelo início da guerra, a perda de território ou a drástica restrição do programa militar, mas, sim, as cláusulas econômicas.

A Alemanha foi condenada a pagar indenizações impraticáveis, consideradas por muitos na época como malévolas, tolas e, portanto, inúteis.  

O que aconteceu de fato foi que, enquanto cerca de um bilhão de libras esterlinas em ativos alemães foi apropriado pelas potências vitoriosas, mais de um bilhão e meio de libras foi emprestado à Alemanha nos anos seguintes, principalmente pelos Estados Unidos.

Dessa forma, a reestruturação foi possível por algum período, a Alemanha estava conseguindo juntar os cacos de destruição e deixar as guerras para trás. 

Mas, o Crash de 1929 logo chegaria, colapsando os mercados e acabando com o crédito pelo mundo. 

Os resultantes desastres financeiros recaíram imediatamente sobre a Alemanha, afinal, o principal credor de sua dívida estava muito mais preocupado com seus próprios problemas.

As crises morais, culturais e políticas vividas pelo povo alemão no pós-guerra agora se apequenavam perante a agonia de uma crise econômica sem paralelos. 

O povo desorientado se apoiou em insurgentes, em revolucionários, na esperança de soluções simplistas e direitos imaginados, o que deu espaço para o surgimento de ditadores capazes de explorar essas fraquezas e levar o mundo à Segunda Guerra Mundial.

O que acontece a partir daí é história conhecida por todos, mas muito bem resumida por um inglês que em breve ganharia grande notoriedade:

“Sob o domínio hitlerista a que se permitiriam sujeitar-se, os alemães cometeram crimes incomparáveis, em escala e em perversidade, a qualquer outro que tenha maculado a história humana. 

O massacre indiscriminado, através de processos sistematizados, de seis ou sete milhões de homens, mulheres e crianças nos campos de execução alemães ultrapassa, em termos de horror, as matanças improvisadas de Genghis Khan, reduzindo-as comparativamente a proporções minúsculas. 

O extermínio deliberado de populações inteiras foi considerado e praticado pela Alemanha.”

O autor, Sir Winston Leonard Spencer-Churchill, teve papel importante no governo do Reino Unido. 

Na Primeira Guerra Mundial, atuou como Primeiro Lorde do Almirantado (departamento do governo que administrava a marinha real) e Ministro de Material Bélico. 

No período entre guerras, ainda teve alguns cargos públicos, como Ministro das Finanças e Secretário do Interior.

Porém, foi na Segunda Guerra Mundial que ganhou maior notoriedade e teve o papel mais importante e decisivo de sua vida.

Churchill era visto como um homem resmungão, um alarmista rude, beberrão e alheio aos altos padrões da elegância britânica. Mas, quando o exercito alemão mostrou sua ousadia e intenções para o mundo, seu nome foi lembrado.

Quando os nazistas invadiram a Polônia, surpreendendo a todos, o primeiro ministro britânico, Mr. Chamberlain, não teve outra chance de tentar manter a paz. O noticiário matutino do dia 3 de setembro de 1939, às 11h15, anunciava: o Reino Unido estava novamente em guerra.

Churchill foi prontamente chamado para compor o Gabinete de Guerra e, mais uma vez, lhe foi oferecido o almirantado. Winston estava de volta!

No entanto, o seu mais pesado desafio ainda estava por vir. 

Em menos de um ano, o cenário da guerra havia mudado drasticamente, os Nazistas já haviam conquistado um vasto território, dominando países como Áustria, Dinamarca, Noruega, Holanda e Bélgica, e avançavam para uma das principais potências europeias, a França.

Mr. Chamberlain não resistiu e o cargo de Primeiro Ministro foi oferecido a Churchill, em 10 de maio de 1940.

A descrição dos acontecimentos das semanas seguintes dá uma ideia da situação extrema em que ele se encontrava:

Em uma semana, a frente de operações da França, atrás da qual havíamo-nos acostumado a viver nos duros anos da guerra, seria irremediavelmente rompida.

Em três semanas, o exército francês, de longa e celebrada reputação, seria destroçado, e o exército inglês, em operação no território da França, empurrado para o mar, com a perda de todo o seu equipamento.

Em seis semanas, nos veríamos sozinhos, quase desarmados, com a Alemanha e a Itália triunfante apertando-nos o pescoço. A Europa inteira estava acessível ao poderio de Hitler e o Japão de cenho franzido do outro lado do globo.”

O nível de estresse e grau de responsabilidade impostos a Churchill nesse período são inimagináveis. 

Em 1945, a Itália estaria vencida, e Mussolini morto. O exército alemão renderia-se incondicionalmente. Hitler cometeria suicídio. Todos os países tomados pelos Nazistas estariam livres e, junto com os dois impérios mais poderosos do mundo, os aliados avançariam para acabar com a resistência japonesa.

Mas, foram cinco anos longos, angustiantes, tristes e perigosos. Hoje, felizmente temos condições de analisar as versões dos fatos e aprender com eles no conforto de nossas casas.

Churchill nos deixou a sua própria versão, digna de Prêmio Nobel. 

É por meio dela que buscaremos conhecer as principais estratégias que o ajudaram a defender o mundo da ameaça nazista.

Sempre vigilante

“Quem se recusa a lutar pelo direito quando pode facilmente vencer sem o derramamento de sangue, pode ser forçado a lutar em meio a todas as probabilidades. E pode ser ainda pior, ter que lutar quando não há nenhuma esperança de vitória, porque é melhor perecer do que viver na escravidão.”

Um dos principais motivos de Churchill ter sido convocado ao cargo de Primeiro Ministro, no momento mais delicado e complexo possível, foi devido aos inúmeros alertas que havia feito por anos.

Churchill percebeu a ameaça alemã de uma nova grande guerra com antecedência suficiente para evitá-la, como mostram inúmeros registros. 

Ele acreditava que poderia ter vencido a guerra como Sun Tzu, sem “desembainhar a espada”. Não é a toa que a chamou de “A Guerra Desnecessária”.

Segundo seus discursos na época, a Segunda Guerra Mundial poderia ter sido evitada de muitas maneiras:

  • A maneira mais óbvia seria “construir cada vez mais solidamente uma verdadeira Liga das Nações”, capaz de se certificar que os tratados celebrados após a Primeira Guerra fossem cumpridos.
  • Porém, os vencedores não preservaram uma ação conjunta, “seguiram vivendo sem pensar no futuro, dia após dia e de uma eleição para outra“. 
  • Dessa forma, o que seriam providências simples, como manter a Alemanha desarmada e os vencedores armados, não aconteceram. Na verdade, a história nos mostra que, nesse caso, o que ocorreu foi o exato oposto.
  • Teria sido possível, por exemplo, criar um poderio aéreo na Inglaterra, ainda em 1933, que “teria imposto as restrições necessárias à ambição de Hitler”. Mas os inflamados discursos de Churchill na famosa Câmara dos Comuns foram sumariamente ignorados.
  • Outra possibilidade seria um enfrentamento precoce com a Itália de Mussolini. “A queda do ditador menor poderia combinar-se para pôr em ação todas as forças que nos possibilitariam refrear o grande ditador, e assim impedir uma segunda guerra alemã.”

Até meados de 1936, a politica agressiva de Hitler não se apoiou em suas próprias forças militares, mas na “desunião e timidez da França e Inglaterra e no isolamento americano.”

A Alemanha se rearmou em silêncio, fez ataques a países vizinhos e conquistou território, sem represálias. Boa parte do povo alemão passou a acreditar piamente na visão do seu ditador, afinal, tudo estava funcionando exatamente como ele queria.

Enquanto isso, muitos países se reuniam em conselhos midiáticos, todos aprovavam em uníssono o princípio de que tratados não deveriam ser rompidos

Mas, tudo que fizeram foi protestar formalmente. “Nenhum país ou grupo de países se dispunha a considerar o uso da força, ainda que em último recurso.”

Churchill acredita que a conduta política foi “profundamente censurável”. Com palavras duras condena a atuação dos governos que “embora desprovidos de malícia, não foram isentos de culpa“. Atribui a inépcia dos governantes em lidar com tal ameaça:

  • Ao prazer nos chavões fluentes;
  • À recusa a enfrentar fatos desagradáveis;
  • Ao desejo de popularidade e sucesso eleitoral, independentemente dos interesses vitais do estado;
  • À evidente falta de vigor intelectual;
  • Ao acentuado desconhecimento da Europa e a aversão por seus problemas;
  • Ao intenso e violento pacifismo, que então dominava o Partido Trabalhista-Socialista, e a suprema devoção dos liberais a um sentimentalismo desvinculado da realidade;
  • Ao autêntico amor pela paz e a crença patética em que o amor poderia ser seu único fundamento.

Foram muitos erros de governo dos quais Maquiavel já havia alertado. Ironicamente, foi outro italiano, Galeazzo Ciano, o “vice-ditador” fascista, que descreveu em seu diário as suas percepções sobre uma visita à Inglaterra e escancarou a passividade inglesa:

“Na verdade, a visita transcorreu em tom melancólico. Não houve nenhum contato efetivo. Como estamos distantes dessa gente! É outro mundo. Esses homens não são feitos da mesma matéria dos aventureiros magníficos que criaram o Império Britânico. Afinal, são os filhos cansados de uma longa linhagem de homens ricos. Os ingleses tentam recuar com o máximo vagar possível, eles não querem lutar.

A submissão à violação do Tratado de Versalhes gerou consequências severas, Hitler mudou o cenário da guerra: 

“Todos os seus passos preliminares tinham sido apostas arriscadas, nas quais ele sabia que não poderia resistir a uma contenção séria. Seus adversários eram indecisos demais para pagar pra ver. Quando ele voltou a agir, seu blefe não era mais blefe. A agressão agora estava escorada na força, e era bem possível que fosse uma força superior. Quando os governos da França e da Inglaterra se aperceberam da terrível transformação ocorrida, era tarde demais.”

Thomas Jefferson disse, mais de um século antes, que “o preço da liberdade é a eterna vigilância.” 

Churchill estava pagando esse preço. 

Mas, infelizmente, a situação era complexa demais – ou talvez sua credibilidade que fosse “de menos” -, para que ele conseguisse mobilizar alguma ação efetiva de prevenção.

A lição foi aprendida a duras penas. 

Já no final da guerra, após a rendição da Alemanha, em comunicado à nação, Churchill aconselhou:

“Ainda há muito o que fazer, vocês devem estar preparados para novos esforços da mente e do corpo e para novos sacrifícios em nome de causas grandiosas, se não quiserem recair na vala da inércia, da confusão de objetivos e do medo covarde de serem grandes.

Vocês não devem relaxar de modo algum o espírito alerta e vigilante. Embora o júbilo das festas seja necessário ao espírito humano, ele deve reforçar a resiliência com que cada homem e cada mulher voltar ao trabalho que têm por fazer, e também para a visão e vigilância que têm de manter sobre as questões públicas.

Articulação Política

“É impossível, numa grande guerra, separar assuntos militares e assuntos políticos. Na cúpula, eles são uma coisa só

Obviamente, os assuntos políticos eram inerentes ao cargo de Primeiro Ministro, porém, Churchill usou muita articulação para criar o cenário mais favorável possível para se livrar da ameaça nazista.

Em nenhum momento pensou na guerra em termos meramente militares. O que, como a história demonstra, acabou se mostrando uma estratégia vitoriosa.

A primeira articulação política foi a formação de seu governo. Churchill decidiu formar um governo de coalizão nacional, “o mais forte possível, com todos os que se dispusessem a lutar pelo país na hora do perigo”.

Claro que ele poderia se livrar de todos os opositores de maneira autoritária ou, ao menos, expor os erros daqueles que o haviam desacreditado por todos esses anos. Churchill, porém, entendeu que não era o momento para isso. “Se o presente tentar julgar o passado, perderá o futuro”, disse.

  • Chamou os partidos Trabalhista e Liberal e formou um Gabinete de Guerra com representantes de ambos. 
  • Mr. Chamberlain foi convidado a liderar a Câmara dos Comuns.
  • Os ministros foram escolhidos por seu caráter técnico, mas, também, com o intuito de diminuir as possibilidades de oposição. 
  • Nomeou a si mesmo como Ministro da Defesa, acumulando os dois cargos com maior poder de decisão na guerra.

Com essas escolhas, criou maior união entre os partidos, Mr. Chamberlain, ao comunicar sua renúncia do cargo de Primeiro Ministro, instou toda a população a apoiar e ajudar seu sucessor e, além disso, eliminou uma etapa na cadeia de decisões militares. 

Dessa forma, esperava conseguir o apoio, a eficiência e a agilidade que precisava.

No dia 13 de maio de 1940, apenas três dias após sua nomeação, apresentou seu programa de governo ao parlamento e à nação. 

Depois de relatar suas escolhas para os cargos do governo, declarou: “Nada tenho a oferecer senão sangue, trabalho, suor e lágrimas”.

Perante todo o horror que o mundo estava vivendo e a ameaça iminente de a Inglaterra ser invadida, seria compreensível um tom tranquilizador naquele momento, recheado de falsas esperanças de paz e um possível acordo com a Alemanha.

Mas Churchill impôs sua política na primeira oportunidade e o encerramento desse discurso ainda repercute até hoje:

“Perguntam-me qual é a nossa política. Eu vos digo: é combater no mar, na terra e no ar, com todo o nosso poder e com toda a força que Deus nos possa dar; combater uma tirania monstruosa, jamais superada no sombrio e lamentável catálogo dos crimes humanos. Essa é a nossa política.

Perguntam qual o nosso objetivo? Posso responder com uma palavra: Vitória – vitória a qualquer custo, vitória a despeito de todo o terror; vitória, por mais longa e árdua que seja a estrada; sem a vitória, não há sobrevivência. (…).

Neste momento, sinto-me no direto de pleitear a ajuda de todos e de dizer: vinde, avancemos juntos, com a união de nossas forças.”

Destacara-se, a partir daí, uma ferramenta extremamente importante na articulação política de Churchill, a sua capacidade de comunicação. Seguiu então um conselho de seu pai: “na política, quando você tem alguma coisa boa, agarre-se a ela”. 

Os seus discursos ainda ecoam na história e, certamente, foi uma das armas mais poderosas do Reino Unido. 

A resposta foi a melhor possível. O parlamento, embora mantivesse a crítica livre e ativa, deu um respaldo contínuo e esmagador a todas as medidas propostas, e a nação esteve unida e fervorosa como nunca. 

Outras medidas também foram importantes durante seu governo para elevar a moral dos ingleses e influenciar positivamente a opinião pública

Como, por exemplo, o princípio de que todos os danos resultantes do fogo inimigo ficassem por conta do estado e de que se pagassem indenizações integrais e em caráter imediato.

O apoio popular às medidas do governo ficou evidente quando o Gabinete propôs a formação de corpos de Voluntários de Defesa Local, a “Home Guard”.

Por todo o país, em cada cidade e vilarejo, reuniram-se grupos de homens decididos, armados com espingardas de caça, rifles para práticas de esporte, porretes e arpões. Deles brotaria rapidamente uma vasta organização. Em pouco tempo, ela contou com aproximadamente 1,5 milhão de homens. 

A Home Guard teve papel importante, monitorando os céus para aviso de bombardeios e preparada para combater em uma possível invasão da ilha.

O resgate do exército inglês na praia francesa de Dunquerque, feito com o apoio de milhares de civis e seus barcos particulares, é outro exemplo de que o povo ouviu o chamado de Churchill.

Tais articulações fizeram com que o governo e a população do Reino Unido permanecessem orientados por um objetivo comum. A politica interna, dentro de todas as limitações, estava funcionando. 

Faltam exemplos de uma terceira e importante frente de articulação política, a exterior.

Churchill manteve contato com poderes antagonistas durante toda a guerra, representados por líderes das maiores potências do mundo, Roosevelt (EUA) e Stalin (URSS – Rússia). 

Apesar do contato político, Churchill era um crítico confesso do comunismo de Stalin. Mas, quando a Rússia foi invadida pelos nazistas, se colocou prontamente em sua defesa, abrindo a possibilidade de acordos de guerra mais efetivos nos anos seguintes:

“Ninguém tem sido um opositor do comunismo mais consistente do que eu, nos últimos 25 anos. Mas tudo isso se extingue diante do espetáculo que agora começa. (…). 

Cabe-me fazer uma declaração, mas acaso alguém duvida de qual será nossa política? Temos apenas um objetivo e um único e irrevogável propósito. Estamos determinados a destruir Hitler e qualquer vestígio do regime nazi. (…)

É essa a nossa política e é essa a nossa declaração. Daremos toda a ajuda que pudermos à Russia e ao povo russo (…)”.

Já com Roosevelt manteve contato constante e negociações ativas em todo o período. Apesar da descrença do mundo na capacidade de mobilização militar dos americanos, Churchill conhecia seu poderio e fez questão de tratar esse relacionamento com cuidado para que tudo acontecesse na hora certa. 

Mesmo quando ficou sozinho na Europa, se defendendo de toda força nazista, não fez cobranças ou exigências para que o EUA entrassem na batalha.

No dia 7 de dezembro de 1941, quando os japoneses atacaram Pearl Harbor, ele sabia das consequências que se desdobrariam à sua frente. Os americanos estavam, a partir daquele momento, “na guerra até o pescoço e até a morte”. 

A conclusão de Churchill para esse novo fato foi simples e direta: Vencemos a guerra! 

O liberal, o capitalista e o comunista avançariam juntos, com a união de suas forças” para um embate comum. Cada um com suas motivações particulares, é verdade, mas, todos contra o mesmo inimigo:

“Quanto tempo duraria a guerra ou de que maneira iria terminar ninguém sabia dizer, mas tampouco isso me importava naquele momento. O destino de Hitler estava selado. O destino de Mussolini estava selado. Quanto aos japoneses que atacaram os EUA, seriam reduzidos ao pó.

O Império Britânico, a União Soviética e agora os Estados Unidos, colados em cada resquício de sua vida e sua força, eram, por tudo quanto eu sabia, um poder duas ou até três vezes superior ao de seus antagonistas”.

Decisões Difíceis

“As motivações virtuosas, entravadas pela inércia e pela timidez, não são páreo para a perversidade armada e resoluta. Os aplausos e vivas de plateias fracas e bem-intencionadas logo param de ressoar, e seus votos deixam de ter importância. A perdição prossegue em sua marcha.”

No cenário extremo em que estavam inseridos, não havia mais tempo para ponderação, para omissão ou indecisão. Se agarrar às esperanças de que tudo se resolveria pacificamente havia levado o mundo à guerra total.

Chegara a hora de agir, de ter a coragem de tomar decisões efetivas, rápidas, por mais impopulares que fossem, era a hora de firmeza, de uma atitude diferente daquilo que estavam acostumados:

“Havíamos, pois, chegado àquele nível elevado, tolerante e afortunado em que tudo é resolvido pelo bem maior, através do bom senso da maioria e após a consulta de todos. Mas, no tipo de guerra que estávamos enfrentando, a situação era outra. Infelizmente, sou forçado a escrevê-lo: a briga tinha que ser mais como as de um mau elemento que acerta o nariz de outro com um porrete, um martelo ou coisa melhor.”

Churchill tomou muitas decisões difíceis durante seus pouco mais de cinco anos de mandato. Claro que podemos questioná-las, julgá-las como certas ou erradas, morais ou imorais, mas precisamos admitir que ele assumiu seu fardo como líder da nação. 

Tomou decisões de forma prática, pensando unicamente em favorecer o desfecho da guerra para seu lado, não para agradar.

A eficiência de um governo de guerra depende, principalmente, das decisões que emanam da mais alta autoridade constituída serem de fato obedecidas com rigor, veracidade e pontualidade. Isso era realmente necessário, pois os tempos foram extremamente ruins.

O método foi aceito porque todos se aperceberam de quão próximas estavam a morte e a destruição. E não apenas a morte individual, que é a experiência de todos, mas, o que era incomparavelmente mais decisivo, estavam em jogo a vida da Inglaterra, sua mensagem e sua glória.

Alguns exemplos são bem ilustrativos e intensos: 

  • A batalha da França

Como vimos, logo após assumir seu posto, os nazistas invadiram a França. Furaram as linhas de defesa e avançavam de forma nunca antes vista. 

Churchill estava espantado com a total incapacidade da França de se defender dos ataques extremamente velozes e combinados da Luftwaffe (força aérea nazista) e das divisões blindadas alemãs, com seus tanques e infantaria (estratégia conhecida como Blitzkrieg ou guerra-relâmpago). 

Com apenas alguns milhares de veículos, estavam conseguindo a destruição completa de exércitos poderosos, colapsando toda a resistência francesa. 

Em uma das visitas de Churchill ao que ainda restava do território, o general francês Gamelin respondeu a uma pergunta sobre a situação de sua defesa: “Inferioridade numérica, inferioridade de equipamento, inferioridade de método.

A moral dos exércitos estava baixa, os nazistas avançavam com vigor. Pouco a pouco, os exércitos franceses se rendiam ou eram aniquilados.

O exército inglês, enviado para a vã tentativa de ajudar a França, recuou até ficar totalmente cercado. De um lado os inimigos em seu encalço, do outro o mar. Não haviam muitas esperanças para aqueles soldados. 

A saída encontrada foi o famoso resgate em Dunquerque, que superou as expectativas até dos mais otimistas. A estimativa inicial era o resgate de, no máximo, 45 mil homens, porém, mais de 338 mil soldados voltaram a salvo para a Inglaterra. 

Churchill tomou três decisões muito difíceis na ocasião:

1. “Haja o que houver em Dunquerque, continuaremos lutando” – Não considerou a rendição em nenhum momento, mesmo que isso significasse a morte da maior parte de seu exército.

2. “Continue a defender com todo empenho o perímetro atual, a fim de cobrir a máxima retirada” – Para que o resgate fosse possível, Churchill ordenou que um batalhão permanecesse lutando. Estavam autorizados a se render quando não fosse mais possível atrasar ou causar dano ao inimigo. Mas, eles não seriam resgatados.

3. “Esse não é o momento decisivo. Esse momento virá quando Hitler jogar sua Luftwaffe contra a Inglaterra” – Dunquerque é separado do Reino Unido apenas pelo Canal da Mancha. Seria absolutamente possível que Churchill atendesse os apelos franceses de enviar toda a RAF (força aérea inglesa) para tentar virar o jogo ou, ao menos, auxiliar na retirada dos exércitos. 

Churchill decidiu não atender aos pedidos, alegando que se conseguissem preservar o domínio aéreo naquele momento e mantivessem os mares livres, teriam capacidade de defender a Ilha e, posteriormente, reconquistariam tudo para os franceses (o que, de fato, aconteceu).

  • Operação Catapulta

A França não teve chances de evitar o domínio nazista e logo se rendeu. Um dos artigos desse armistício afirmava que a esquadra francesa seria recolhida aos portos e passariam para o controle alemão.

Cruzadores, encouraçados, submarinos, destróieres e centenas de embarcações menores poderiam interferir no domínio dos mares. Até então, exceto pelos famosos u-Boats, os alemães tinham pouco poder marítimo, o que poderia mudar muito em breve com os reforços franceses.

Churchill e o Gabinete de Guerra decidiram iniciar a Operação Catapulta, que visava o controle, a inutilização ou a destruição de toda a esquadra francesa, antes que fossem entregues aos nazistas.

Nas primeiras horas de 3 de julho de 1940, as primeiras embarcações foram tomadas. A maioria foi transferida de bom grado pela tripulação francesa, outras, porém, resistiram.

Em uma das mais dramáticas, houve intensa negociação entre os marinheiros.

Algumas alternativas foram dadas, como continuar lutando junto aos Ingleses, entregar a embarcação, navegar escoltado para um porto neutro para que ela pudesse ser desmilitarizada ou, ainda, entregá-la aos EUA, para que permanecesse em segurança até o final da guerra:

“Caso o senhor recuse estas ofertas legítimas, terei, com profundo pesar, de lhe pedir que afunde seus navios no prazo de seis horas. Finalmente, não ocorrendo o acima exposto, tenho ordens do governo de Sua Majestade para usar qualquer força necessária para impedir que seus navios caiam na mãos erradas”.

A negociação envolveu ministros e governantes dos dois países. Até para a tripulação inglesa seria difícil abrir fogo contra aqueles que, até pouco tempo, lutavam lado a lado.

A posição de Churchil, transmitida no calor da discussão, foi sucinta: “Navios franceses devem cumprir nossas condições ou se afundar ou ser afundados por vocês antes do escurecer.

Às 17h45 se iniciou um intenso bombardeio contra as embarcações e tripulações que não haviam se sujeitado às exigências inglesas. 

Às 18h, toda a esquadra francesa havia sido entregue ou destruída.

  • Ataque a Londres

Logo após a rendição francesa, os nazistas avançaram contra o Reino Unido. Não conseguiram atravessar os mares e chegar a ilha com seus tanques ou infantaria. O ataque aéreo, porém, foi constante.

No início, os ataques foram estratégicos contra torres de comunicação, campos de aviação, instalações militares, malha logística, entre outros. A RAF e a artilharia antiaérea tentavam bravamente defender seus recursos em batalhas intensas. 

Mas, em breve, o ataque passou a ter outro objetivo, o terror. 

A moral dos ingleses estava alta e um ataque maciço à sua principal cidade poderia causar pânico por todo o país. Churchill não comprou essa narrativa:

“Para nós, muito mais importante do que proteger Londres dos bombardeios de terror eram o funcionamento e a articulação desses campos de aviação e das esquadrilhas que operavam a partir deles”

Para ampliar o efeito de terror e inibir qualquer defesa, os ataques passaram a ser noturnos. Além de correr para abrigos durante muitas madrugadas, os londrinos não podiam utilizar qualquer iluminação durante a noite, para dificultar o ataque inimigo. 

Mesmo assim, Churchill manteve sua política de tratar a situação com desdém, para que a população pudesse seguir com sua rotina de trabalho, abrigo e escombros

“Os ataques noturnos atingiram as docas e centros ferroviários e mataram e feriram muitos civis. Mas, na verdade, foram para nós uma pausa para respirar, da qual tínhamos extrema necessidade.”

Os alemães estavam obcecados em levar terror a ilha. A grande motivação para essa mudança de abordagem, além da surpreendente resiliência do povo inglês, foi uma medida ousada de Churchill. 

Após os primeiros ataques a Londres, o Reino Unido revidou com um ataque aéreo a Berlim. “O Gabinete de Guerra mostrou-se muito disposto a revidar, a aumentar os riscos e desafiar o inimigo”.

A batalha chegava, pela primeira vez, em território alemão. Devido à distância, o ataque foi muito menor (os nazistas tinham bases aéreas na França e na Bélgica). Porém, foi o suficiente para despertar a ira de Hitler e o fazer cometer, o que muitos consideram hoje, um grande erro estratégico

Os nazistas, impressionados ou perturbados com a força de vontade inglesa – cenário muito diferente daquele pintado por Ciano, anos antes – se concentraram em levar pânico às cidades, não em reduzir suas possibilidades de defesa ou obter vantagens militares para uma invasão decisiva.

Nos doze meses de ataque, decorridos entre junho de 1940 e junho de 1941, as baixas civis em Londres foram de 43.381 mortos e 50.856 gravemente feridos. 

Mas, a Inglaterra continuava livre.

Para Finalizar

Toda a versão de Churchill para os fatos da guerra podem estar recheados de vieses, de alguma manipulação histórica, de explicações infundadas, de muito romance e, até, de certa soberba.

Nada que invalide as nossas possibilidades de aprendizado.

Para mim, as principais lições foram essas: estar sempre vigilante, dominar a articulação política e ser capaz de tomar decisões difíceis.

Para você, podem ser outras. Mas, em comum, se destaca a conclusão de que o fardo de um líder é muito mais complexo do que normalmente acreditamos. 

Apesar de serem estratégias utilizadas em um cenário extremo, muita coisa pode ser aproveitada em nossas vidas, felizmente, muito mais pacatas.

Para quem quer conhecer estratégia de verdade, nada melhor do que aprender com alguém cuja própria vida e a liberdade de seu povo dependeram dela. 

Referências: Memórias da Segunda Guerra Mundial, volumes 1 e 2, Winston Churchill, publicados entre 1948 e 1953.

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