Inovação Empresarial – Equipes Dedicadas

Uma alternativa para escalar a inovação dentro de empresas consolidadas 

Tenho visto muitas grandes empresas se desafiarem cada vez mais em transformar a maneira que encaram a inovação.

É nítido que não se trata mais de uma busca desenfreada por produtos novos e mais eficientes, mas, sim, do desenvolvimento de uma cultura inovadora em todas as áreas da companhia, um mindset compartilhado que resulte em soluções a cada aspecto da organização.

Por outro lado, essas empresas grandes e já consolidadas funcionam como verdadeiras máquinas, buscando resultados previsíveis, para que possam compor o orçamento, e tarefas rotineiras, para que possam manter padrões de qualidade.

Por isso, encontram dificuldade em lidar com a incerteza e a imprevisibilidade inerentes ao processo inovador. O desafio é implantar iniciativas de inovação sem comprometer o funcionamento da máquina.

No post de hoje, vamos buscar uma alternativa para superar esse paradoxo e avançar de forma sustentável nessa demanda cada vez mais crescente por inovação.

Por que inovar?

Se você também está se fazendo essa pergunta, pode ter uma certeza, você está atrasado! Não que os outros saibam respondê-la com precisão, longe disso, boa parte (talvez, a maioria) corre atrás da inovação apenas por medo de repetir erros que foram cometidos no passado.

Não é de se espantar. Imagine, por exemplo, que você é o presidente de uma empresa que faz aqueles “minicomputadores enormes”, do tamanho de uma geladeira, no auge dos anos 1970.

O seu público-alvo (e de toda a concorrência na época) são grandes empresas e universidades renomadas, que podem fazer uso da capacidade de processamento desses equipamentos.

Você está fazendo um ótimo trabalho e lidera o mercado, quando um funcionário da linha de montagem lhe faz uma pergunta despretensiosa: “Por que não fabricamos computadores para as pessoas comuns usarem em suas casas?”

Com todo seu conhecimento do produto, mercado e tecnologia, você responde: “Não consigo imaginar um motivo para que alguém queira ter seu próprio computador“.

Hoje, duvidamos que alguém possa ter tido esse pensamento algum dia, mas foi exatamente o que disse Ken Olsen, presidente da DEC, em uma reunião de maio de 1974, na qual seu comitê de operações debatia se convinha ou não criar uma versão menor do seu PDP-8 para consumidores individuais.

“Como resultado disso, a revolução do computador pessoal, quando surgiu pouco depois, foi encabeçada por empreendedores esquisitões, em pequenos centros comerciais e garagens, que fundavam empresas como Altair e Apple.

Walter Isaacson

Ninguém quer ser Ken Olsen (certamente um profissional com grandes méritos, mas constantemente lembrado por essa frase).

Também não queremos ter nossos nomes associados a cases de fracasso, como o Ford Edsel, ou ficar para a história por ter perdido alguma grande oportunidade, como fizeram executivos do alto escalão de empresas de tecnologia como Yahoo!, Excite e AltaVista, em 1998.

Companhias que valiam centenas de milhões de dólares na época e decidiram não aceitar a oferta de 1 milhão de dólares para comprar uma ferramenta de busca na internet desenvolvida por dois estudantes, Larry Page e Sergey Brin, simplesmente por acharem que a “pesquisa não é tão importante“.

Hoje, apenas 20 anos depois, a empresa de Page e Brin, o Google, já contempla a possibilidade de ultrapassar o valor de mercado de 1 trilhão de dólares.

Esses exemplos intimidam, é claro. Mas, não podemos acusar os envolvidos por falta de visão, conhecimento ou algo do tipo. O que certamente faltou foi uma gestão eficiente da inovação.

O Desafio da Inovação

A primeira solução que vem à nossa cabeça é demandar mais soluções criativas dos colaboradores. Assim, estaríamos cheios de ideias e poderíamos superar todas as incertezas. Mas, logo nos deparamos com algumas barreiras, como vimos no post Inibidores da Inovação:

As pessoas não sabem de quem é a responsabilidade de dar ideias ou executá-las, carecem de ferramentas e metodologias, não tem motivação para proporcionar mudanças e há uma total falta de controle ou coordenação de qualquer iniciativa.

O medo de errar fala mais alto do que a vontade de acertar, os gestores entram em contradição (como vimos no post Paradoxo da Autonomia), pedindo inovação sem querer correr riscos e, o principal, a pressão por manter a máquina funcionando fica cada vez mais forte.

Assim, a inovação vai ficando para o “fim da fila”.

A segunda alternativa que podemos pensar é achar um salvador da pátria, alguém que torne a previsibilidade algo irrelevante. Assim,  vamos atrás de um funcionário extremamente criativo dentro da organização ou partimos para caça no mercado. Ledo engano, logo vemos que ter ideias é apenas um pequeno passo para a inovação.

“Poderia parecer completamente natural definir o desafio da inovação como uma batalha entre um herói da inovação e um vilão burocrático. No mundo real, porém, os heróis da inovação são estrangulados quase sempre.”

Vijay Govindarajan e Chris Trimble

O fato é que a grande maioria das organizações consolidadas não foram construídas para a inovação, como argumentam Govindarajan e Trimble. Muito pelo contrário, foram estruturadas para manter as operações em curso contínuo.

São construídas para serem Máquinas de Desempenho e, por mais que sejam impressionantes, precisam vencer grandes obstáculos contra a inovação:

“A inovação promete dores de curto prazo para ganhos de longo prazo, mas a Máquina de Desempenho quer vencer agora. A inovação exige experimentação. A Máquina de Desempenho demanda eficiência. Algumas vezes, as inovações falham. A Máquina de Desempenho tem dificuldade em perdoar.”

Vijay Govindarajan e Chris Trimble

Uma pesquisa da empresa de consultoria Strategos divulgou uma pesquisa realizada com altos executivos a respeito das barreiras básicas à inovação efetiva. Com 63% das menções, o principal fator foi exatamente o “foco no curto prazo e nas operações cotidianas.”

Como dissemos no início desse post, manter a máquina funcionando é condição primordial para lançarmos iniciativas de inovação.

Então, se não podemos simplesmente exigir inovação das equipes, nem buscar um herói para nos salvar, qual seria a alternativa?

O que realmente funciona?

Para entender algumas iniciativas de inovação que funcionaram de fato, nada melhor do que consultar a biografia da revolução digital. Uma obra de Walter Isaacson, que nos conta como alguns Inovadores foram capazes de revolucionar a rotina de todos nós.

Após estudar os feitos de grandes personalidades, desde Ada Lovelace até o Deep Blue, Isaacson chegou a algumas conclusões sobre o processo inovador bem sucedido.

  • Uma de suas conclusões fala de criatividade individual aliada a uma equipe com capacidade de execução:

“Nenhum dos modos de compreender o avanço tecnológico é, sozinho, completamente satisfatório. A maior parte das grandes inovações da era digital nasceu de um efeito combinado da criatividade de indivíduos com equipes que souberam como implementar as ideias deles.”

  • Outra fala sobre a importância de reunir talentos para que a inovação possa surgir:

“Como o Centro de Pesquisa de Palo Alto da Xerox (Xerox PARC) e outras organizações similares que se seguiram, os Laboratórios Bell mostraram como podia ocorrer inovação contínua quando se reuniam vários talentos, de preferência em estreita proximidade física, graças à qual reuniões e encontros frequentes facilitavam o surgimento de descobertas felizes.”

  • Uma terceira passagem de sua biografia mostra o que, segundo ele,  descreve de maneira precisa a combinação que se tornou a fórmula para a inovação na era digital:

“A pesquisa científica é reconhecida cada vez mais como o trabalho de grupo. O que apresentamos hoje representa um excelente exemplo de trabalho em equipe, de brilhantes contribuições individuais e da importância da pesquisa básica num conceito industrial (Ralph Brow, 1948).”

Reunião de pessoas talentosas e visionárias, colaboração, execução e método. Esses parecem ser os atributos que resultaram no período mais inovador da história humana. O que nos leva ao próximo passo desse post.

A Equipe de Inovação

De tudo que estudei e observei sobre como inovar dentro das grandes empresas, a formação de uma Equipe Dedicada à Inovação me parece a mais promissora.

Claro que não vai existir um modelo padrão de equipe, em que se possa generalizar a maioria dos cenários. Mas, vamos tentar ilustrar o conceito com um exemplo.

Considere a área comercial de uma grande empresa que já se consolidou em seu mercado. Essa área conta com cerca de 2 mil funcionários engajados em manter a máquina em perfeito funcionamento. Em paralelo, recebe uma demanda cada vez mais crescente por inovação.

A estrutura da Equipe Dedicada seria composta por apenas 3 ou 4 funcionários – os gerentes e consultores de inovação, que teriam a missão de administrar a inovação dentro da área comercial da nossa empresa fictícia. Sendo responsáveis, basicamente, por duas atividades:

  • Escalar a cultura de inovação
  • Executar iniciativas de inovação

Escalando a inovação

Para criar uma cultura de inovação, a Equipe Dedicada precisa definir um processo que dê voz aos colaboradores da Máquina de Desempenho:

Como, por exemplo, criar uma mecânica para o envio de ideias, desenvolver um fórum online para colaboração e iteração, estruturar um concurso interno de inovação, realizar workshops de Design Thinking, visando solução de problemas reais. Enfim, iniciativas que permitam à empresa ter acesso aos insights e soluções de seus funcionários.

Aliadas a alguns “memes“, essas iniciativas vão espalhar a cultura de inovação por todo o setor.

Executando a inovação

Para executar a inovação, ou seja, transformar ideias em soluções que criem valor para a empresa, os membros da Equipe Dedicada trabalhariam de forma cooperada com alguns funcionários selecionados da Máquina de Desempenho, formando SQUADs (aqueles que vimos no post Era Pós-Digital).

Cada iniciativa de inovação (que pode começar com uma ideia a ser “experimentada” ou uma “dor” a ser resolvida) teria um SQUAD e seria moderada por um dos integrantes da Equipe Dedicada. Esse, sim, previamente capacitado em metodologias ágeis e ferramentas de inovação.

Os participantes da Máquina de Desempenho se dedicam exclusivamente à iniciativa por um período pré-estipulado, retomando às suas atividades normais em seguida. A quantidade de participantes no SQUAD, bem como a sua duração, depende da complexidade da iniciativa.

Por que Equipes Dedicadas?

A primeira objeção pode ser o custo dessa equipe. Mas, considerando o nosso exemplo, se você demandar inovação de 2 mil funcionários, terá um custo em hora/trabalho muito superior. Afinal, todos eles precisariam dedicar parte de sua carga horária atual para “pensar” na inovação.

A formação de Equipes Dedicadas permite que a Máquina de Desempenho continue funcionando a todo vapor e, por outro lado, aproveita todo o conhecimento, expertise e insights dos colaboradores, o que é essencial para a inovação acontecer.

Um estudo da IBM questionou 765 líderes empresariais sobre quais seriam as 3 principais fontes de inovação em uma empresa (The Global CEO Study). O resultado foi o seguinte:

  • Funcionários (41%)
  • Parceiros (38%)
  • Clientes (37%)
  • Consultores (21%)
  • Pesquisa e desenvolvimento interno (16%)
  • Academia (13%)

Certamente, uma grande empresa, com milhares de funcionários e sem um processo de inovação eficiente, está abarrotada de excelentes ideias natimortas.

A Equipe Dedicada aparece para semear, cultivar e colher os frutos dessas ideias. Os ganhos implícitos também são relevantes:

  • Deixa claro para todos qual é o caminho da inovação.
  • Reforça o orgulho coletivo pelas pequenas melhorias.
  • Torna visível a conexão entre a inovação e a solidez da iniciativa colaborativa.
  • Estimula a experimentação e a tolerância ao risco.
  • Reconhece iniciativas individuais.
  • Faz com que todos fiquem mais atentos às oportunidades, como o Google batendo na sua porta.

Formação de Equipes Dedicadas

Govindarajan e Trimble exploram esse conceito apenas com uma diferença do que estamos propondo.

Enquanto para os autores, deve-se criar uma nova equipe permanente para cada iniciativa de inovação, a nossa proposta é criar uma única equipe permanente de inovação e, então, formar SQUADs temporários para cada iniciativa.

De qualquer forma, podemos aproveitar muitos dos seus conceitos. Por exemplo, segundo eles, questionamentos surgem assim que você fala sobre uma Equipe Dedicada.

Algumas pessoas, muitas das quais podem ser inadequadas para o trabalho, ansiarão, imediatamente, serem postas em tal equipe, pensando que isso poderá ser excitante, divertido, inovador e potencialmente propício à valorização da carreira.

Outros sairão correndo imediatamente, preocupados com a possibilidade de, ao serem designados para a equipe, suas carreiras ficarem sob maior risco se a iniciativa falhar.

Alguns podem, instintivamente, cogitar se é “justo” criar uma equipe especial, com regras especiais.

“Todas essas emoções e objeções são previsíveis e de fato representam potenciais dores de cabeça para os líderes. Contudo, permanece o fato de que não há modo de ir além sem dar o passo de formar a Equipe Dedicada”.

Vijay Govindarajan e Chris Trimble

As possibilidades são tantas, ao formarmos uma Equipe Dedicada, que, em vez de discutirmos o que funcionaria melhor para um caso específico, é melhor entendermos o que teria grandes chances de não funcionar em qualquer caso.

Abaixo, listamos alguns erros que devemos evitar ao formar essas equipes:

Erro 1: Excesso de pessoal interno

Geralmente, é mais fácil, rápido e confortável movimentar o pessoal interno para a Equipe Dedicada. Porém, buscar algumas pessoas de fora para compor o time, pode ser muito mais benéfico. Eles trazem novas competências, definem novas hipóteses com naturalidade e, o mais importante, se tornam catalisadores dos conceitos e paradigmas enraizados.

Erro 2: Antagonizar com a Máquina de Desempenho

Os melhores líderes de inovação descartam, imediatamente, toda e qualquer noção de que precisam vencer “lutando contra o sistema”. Não imaginam que sua iniciativa de inovação, por mais importante que possa ser, seja o “futuro da empresa”.

Em vez disso, saem em busca de parcerias em termos positivos e não perdem oportunidades de consultar e dar os créditos à Máquina de Desempenho.

Erro 3: Subestimar o aprendizado

A aprendizagem deve ser prioridade acima dos resultados, pois o aprendizado mais rápido leva a resultados melhores. Há uma lógica muito clara aqui. Com previsões melhores, você toma melhores decisões, e quando você toma melhores decisões, consegue melhores resultados. Primeiro o aprendizado, depois os lucros.

Erro 4: Ignorar as oportunidades de debates

Se aprender é bom, aprender rapidamente é melhor ainda. O intervalo normal para análises profundas dos planos da Máquina de Desempenho é muito alto para as iniciativas de inovação.

As reuniões devem ser organizadas pelo menos na mesma frequência com que surgem novos dados que desafiem ou confirmem as suposições contidas no plano.

A velocidade do aprendizado será diretamente limitada pela frequência com que as suposições forem analisadas e o plano revisado.

Erro 5: Adotar as mesmas estratégias de planejamento

Os planos da Máquina de Desempenho são baseados em precedentes, dão ênfase aos dados e aos resultados trimestrais e anuais, possuem expectativas firmes e foco nos resultados.

Já os planos da Equipe Dedicada começam a partir de uma folha em branco, dão ênfase às hipóteses e às tendências, possuem expectativas frequentemente ajustadas e foco no aprendizado.

Com tantas diferenças conceituais, não faz qualquer sentido manter as mesmas estruturas e estratégias de planejamento.

Erro 6: Adotar as mesmas métricas

A performance das Equipes Dedicadas ou SQUADs deve ser avaliada por outros indicadores. Segundo Philip Kotler, os indicadores de inovação, além de constituírem um sistema de avaliação, também são ferramentas de diagnóstico para prever a capacidade futura de inovar. Alguns exemplos de métricas:

  • Lucros a partir de inovação.
  • Redução de custos a partir da inovação.
  • Quantidades de ideias geradas por ano.
  • Quantidade de projetos de inovação em andamento.
  • Tempo total do processo de inovação (eficiência).
  • Quantidade de projetos implantados.
  • Percentual de funcionários que produzem ideias.
  • Percentual de funcionários que participaram de iniciativas de inovação (SQUADs).
  • Tempo despendido no processo inovação (aprendizado).
  • Departamentos que mais inovam.

A avaliação pode ser diferente, com maior tolerância ao fracasso e maior ênfase no aprendizado. No entanto, o esforço dos profissionais da Equipe Dedicada deve ser avaliado na mesma intensidade que ocorre na Máquina de Desempenho:

  • A Equipe Dedicada está investindo tempo e energia suficientes no planejamento e na análise dos resultados?
  • Os pontos desconhecidos mais importantes são claros e bem compreendidos?
  • Como as alterações no plano ocorrem?
  • A equipe de inovação está tentando aprender rapidamente e a baixo custo?
  • A equipe está pronta para encarar os fatos, até mesmo quando forem desagradáveis?
  • As previsões estão melhorando?

Para finalizar

“A melhor maneira de prever o futuro é inventá-lo (Alan Kay)

A Equipe Dedicada, portanto, me parece uma solução bastante viável para conseguirmos escalar a inovação, principalmente, em empresas que não foram concebidas para serem inovadoras.

A proposta mitiga os Inibidores de Inovação, cria um mindset mais atento às oportunidades e estimula aquilo que sabemos que funciona: reunião de pessoas talentosas, colaboração, execução e método.

Tudo isso, com baixo custo e aproveitando o que a empresa tem de melhor, o capital humano.

Claro que não é a única alternativa, certamente existe uma infinidade de soluções e cada caso é um caso. Mas, de qualquer forma, seja qual for a estratégia adotada, me parece um ótimo começo.

Quem sabe, algum tempo após sua implantação, a cultura de inovação se espalhe até o nível em que uma Equipe Dedicada deixe de fazer sentido.

Teríamos, assim, uma Empresa Dedicada à Inovação, cheia de SQUADs, rentabilizando a criatividade e pronta para criar o futuro.

 

Referências: Inovadores. Uma biografia da revolução digital, Walter Isaacson, 2014. A Bíblia da Inovação, Fernando Trías de Bes e Philip Kotler, 2011. O Desafio da Inovação, Vijay Govindarajan e Chris Trimble, 2014

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