Afinal, o que é Valor?
O termo Valor é fartamente explorado no mercado corporativo – agregar, construir, entregar são apenas alguns dos muitos verbos que o acompanham. As tendências para o próximo ano mostram, no entanto, que a busca por valor ganhará cada vez mais espaço nas conversas de bar ou redes sociais, consumindo boa parcela de energia das inquietas mentes de muitos indivíduos. Por isso, nesse post, vamos tentar contextualizar o termo.
Quando falamos de valor, o senso comum tende a direcionar nossa mente para o mundo financeiro. A economia é, certamente, a área de conhecimento que mais faz uso do tema e pode nos ajudar a entendê-lo um pouco mais.
Quanto vale algo?
No início das primeiras sociedades, os produtores passaram a comercializar seu produtos excedentes, primeiro por meio do escambo e, finalmente, por meio da moeda. Assim, os bens passaram a ter um preço que traduzia o seu valor, mas essa definição nunca foi algo simples.
Em 1265, São Tomás de Aquino, em um dos primeiros estudos de mercado, afirmou que a definição de preços era uma questão profundamente moral. Um comerciante deveria cobrar um “preço justo”, o que inclui o lucro excedente, mas exclui o lucro excessivo, que, de acordo com Aquino, seria fruto da ganância e, portanto, pecaminoso.
As comunidades medievais acreditavam tão piamente que o preço dos produtos deveriam ser moralmente regulados, que em 1321, Willian le Bole de Londres foi amarrado a cavalos e arrastado pelas ruas por vender pão acima do preço.
Cerca de 500 anos depois, Adam Smith trouxe uma nova visão ao valor econômico, afirmando que o próprio sistema de livre comércio geraria preços “justos”. Junto com ele, outros pensadores como David Hume e Pierre de Boisguilbert acreditavam no seguinte ditado: “laisse faire la nature”, que traduzido ao pé da letra seria algo como “deixe a natureza em paz”, mas queria realmente dizer “deixe os negócios em paz”.
Smith acreditavam que ajustes nos preços e margens de lucro seriam naturalmente realizados por comerciantes em situações adversas, como momentos de escassez ou no combate a concorrência, por exemplo. Esses ajustes, funcionariam como uma “mão invisível“, que regula o mercado e sua precificação, eliminando assim, a necessidade de intervenção do governo.
Havia quem fosse contrário a este cenário. Uma importante contribuição foi dada por Karl Marx que realizou a mais famosa descrição da teoria do valor-trabalho. Sua ideia era de que o valor de um bem “é proporcional à quantidade de trabalho para produzi-lo”. Apesar das críticas, Marx nos ajudou a aprofundar o entendimento sobre o preço que estamos dispostos a pagar.
Perto do século XX, Alfred Marshall definiu como a oferta e procura funcionam juntas para definir o preço de mercado. Quando o preço aceitável de procura é igual ao preço aceitável de oferta, a quantidade produzida não tende nem a aumentar nem a diminuir, o mercado está em equilíbrio. Qualquer alteração dessas variáveis fazem os preços se ajustarem.
A questão de preço aceitável, abordada por Marshall, resolveu a questão de como os preços são formados, mas ainda não é suficiente para definir valor. Afinal, o preço considerado aceitável por um produtor ou comprador de um produto, em um mercado concorrido, seria aquele que gera maior valor para ele, dentre todas as opções disponíveis.
Hierarquia das Necessidades
A primeira conclusão, portanto, é que o valor precisa de referência. Considere um professor que corrige uma prova. Se ela for de múltipla escolha, uma simples comparação das respostas com um gabarito seria suficiente para atribuir o valor daquela prova, que seria traduzido em uma “nota”. Porém, não temos um gabarito para uma prova dissertativa, assim como não temos para a maioria das outras coisas.
Pensando dessa forma, o valor de algo pode ser atribuído seguindo uma hierarquia, que considera as demais opções e atribui um valor baseado na comparação entre elas. Esse valor pode ser traduzido em uma escala, como o preço que vimos no início desse post, por exemplo.
Para um indivíduo, a posição na escala hierárquica de algo, e portanto seu valor, seria balizado de acordo com a capacidade que esse “algo” tem de satisfazer suas necessidades.
Dessa constatação surgem duas novas conclusões, a primeira é que, posto desta forma, o valor se torna algo absolutamente relativo. Ele é orientado pelas necessidades do indivíduo e suas bases de comparação que, por sua vez, são adquiridas por meio da experiência e conhecimento. Isso explicaria o motivo de, quando crianças, atribuirmos um valor “exagerado” (do ponto de vista de alguém mais experiente) àquelas situações mais simples da vida.
A segunda conclusão vem da constatação de que cada indivíduo só existe nesse instante, as necessidades das pessoas não são permanentes. Considere um exemplo dado por James Stockdale: “Em um jogo de futebol, a bola é o objeto de maior cobiça de todos os jogadores, é para ela que todos os olhares das torcidas estão direcionados. Mas, quando o jogo acaba, todos a ignoram, ela passa a não tem valor algum”.
O valor para um indivíduo é, portanto, definido em um instante de tempo e sorte da ocasião. São muitas as variáveis que podem interferir na hierarquia de necessidades. A Utilidade Marginal mostra que algo consumido repetidamente perde valor, como, por exemplo, uma segunda garrafa de água no deserto. Ou o Custo de Oportunidade, que é o prejuízo que temos ao escolher alguma coisa em detrimento de outra.
Nossa própria experiência pode interferir de maneira variada na percepção de valor, dependendo do nosso momento de vida. O professor Clóvis de Barros Filho afirma que “a nossa própria memória não é um dado exato do passado. Mas a interpretação feita pelo ‘eu’ atual, diferente de qualquer outro. Dotado de expectativas e experiências únicas”.
O mais amplo gabarito
O número de variáveis que podem alterar a percepção de valor é tão vasto, que ainda não podemos aceitar apenas a Hierarquia das Necessidades como resposta final para a nossa inquietação. Ainda precisamos de um valor referência, “que seja o único em que a valoração do mundo é possível, um gabarito para todas as coisas”.
Stuart Mill propõe uma possibilidade. Segundo ele, o único bem de valor intrínseco e que, portanto, vale por si só, é a felicidade. Assim, qualquer outra coisa cujo valor for considerado, é preciso ser avaliado na medida em que puder proporcionar felicidade, seja imediatamente ou em cadeias.
“Então, as coisas serão avaliadas pela capacidade que têm de trazer felicidade. Dizendo de outra forma, a felicidade seria a única coisa desejável em si mesma enquanto fim, ao passo que todas as outras coisas seriam desejáveis enquanto instrumento para alcançá-la. Isso nos levaria a uma conclusão. Queremos ser felizes o tempo inteiro e buscamos aquilo no mundo que supomos que possa nos trazer essa felicidade. Isso vai do pastel de feira a um carro ou mesmo a um romance”.
Clóvis de Barros Filho
Certamente, não poderíamos parar por aí. A felicidade pode nos ajudar a atribuir valor às coisas, mas e à própria felicidade, que valor daríamos? Felizmente, Stuart Mill não nos deixa na mão. Ele propõe uma definição bastante clara: “felicidade é a presença de prazer e ausência de dor”.
Se o único bem de valor intrínseco é a felicidade, ou seja, prazer sem dor, então agora, sem nenhum medo de errar, podemos afirmar: a única coisa que vale por ela mesma é uma sensação. Clóvis de Barros conclui: “Um afeto: o prazer. E a falta do seu contrário: a dor. Isso – e só isso – é o que buscamos o tempo todo. O resto é instrumento para alcançá-los. Que loucura!”
Tal constatação parece um tanto egoísta… e é. Trata-se de um comportamento instintivo, voltado para a sobrevivência. Um ser humano e um animal famintos, certamente, teriam grande prazer ao saciar a sua fome. No entanto, diferentemente dos animais, os seres humanos podem refletir a respeito.
“Se ambos têm prazer em deglutir alimentos, só o homem pode intelectualizar a busca desse prazer. Só ele pode converter essa busca numa fina gastronomia. Testando combinações de sabores, cores e aromas que misturam o estímulo das sensações com a inteligência a seu serviço”.
Clóvis de Barros Filho
Valores
Um mundo em que todos buscam apenas maximizar o próprio prazer, mesmo que utilizando a inteligência, me parece um tanto assustador. Precisaríamos de algo para regular a busca desenfreada por felicidade. A ponderação do que é certo e errado surge e pode ser definida por valores individuais, que vão servir de gabarito para a nossa conduta.
Segundo o filósofo Immanuel Kant, para criar nosso gabarito moral, precisamos de valores que nos permitam agir de forma com que nossa conduta seja digna de ser convertida em norma universal. “Dizendo de outra forma, pondere sobre aquilo que seria o racionalmente correto a fazer. Agora imagine todos obedecendo, sem exceções, a essa mesma regra e veja o resultado” (Júlio Pompeu).
Ainda segundo Kant, essa boa conduta nada tem a ver com conseguir um resultado vantajoso e sim com fazer o que é devido.
Se não pensarmos dessa forma, corremos o risco de ter um péssimo gabarito moral, que vai pautar o valor das coisas que fazemos e acreditamos. A melhor forma de garantir que nossos valores sejam legítimos é, mais uma vez, a sabedoria:
“Na falta de recursos intelectuais, educacionalmente adquiridos e desenvolvidos, o que resta é a imitação, adesão irrefletida à moda. Vida sem autonomia intelectual cujo único prazer desloca-se da percepção fantasiosa produzida pelo indivíduo para o aplauso da massa.
É curioso como em tão pouco tempo passamos de uma ordem social em que os prazeres eram reservados a espaços íntimos, para poucos, para uma ordem em que os prazeres devem ser fotografados e compartilhados com milhões de espectadores.
Antes, o prazer era o jantar sofisticado. Agora, o prazer de contar ao mundo sobre o jantar sofisticado. Prazer dos joinhas ou likes do facebook – como se o jantar perdesse o seu valor como experiência e adquirisse valor como elemento de exposição, como atrativo de aplausos sociais, estes, sim, definidores do prazer”.
Júlio Pompeu
Para concluir
Agora que já contextualizamos o termo, dá pra entender a dificuldade histórica de atribuir um preço às coisas, como comentamos no início. Fica mais fácil entender também, algumas diretrizes de negócios, como os “Valores” de uma empresa ou o conceito de Valor Percebido pelo Cliente (VPC), de Philip Kotler. Para facilitar ainda mais a aplicação prática, considere algumas definições do escritor e consultor de marketing Ian Brooks, que resumem incrivelmente bem o que discutimos até aqui:
- “O valor é subjetivo. Só pode ser determinado pela pessoa que o obtém, ou seja, o consumidor. O valor não vem dos produtos ou serviços que você fornece, mas daquilo que seus consumidores acreditam que seus produtos e serviços podem fazer por eles”.
- “Valor não é apenas subjetivo, é altamente variável. A percepção muda de cliente para cliente, de situação para situação e de momento para momento”.
- “Por existirem tantos fatores subjetivos e tanta incerteza na equação nunca se pode determinar de antemão e com certeza o que o consumidor vai valorizar.”
- “Valor pode ser expresso como uma fórmula simples: valor = benefício – custo“
Apesar do grande impacto no mundo dos negócios e as muitas vertentes derivadas do tema, é na aplicação de valor no cotidiano das pessoas que está inserido o maior potencial de transformação da nossa sociedade. Como vimos ao longo do texto, podemos fomentar três atitudes que tornariam a vida do indivíduo mais valorosa:
- Conhecer as necessidades atuais; (+ felicidade)
- Engrandecer as bases de comparação; (+ conhecimento)
- Enriquecer os gabaritos de conduta moral; (+ sabedoria)
Tais atitudes, podem resultar em uma sociedade com valores individuais mais harmoniosos e legítimos, assim, podemos criar muito mais valor para todos nós.
Referências: O Livro da Economia, diversos autores, 2013. Ganhando Mais, Ian Brooks, 1997. Somos Todos Canalhas, Clóvis de Barros Filho e Júlio Pompeu, 2015. Administração de Marketing, Philip Kotler e Kevin Keller, 2006.