Outro pequeno passo para o homem
Grande parte desse blog é dedicado à investigação do desenvolvimento humano. Por isso, acabamos tendo acesso a bastante conteúdo sobre o tema, observamos opiniões de estudiosos de diferentes áreas e conseguimos, assim, ligar alguns pontos, tirar algumas conclusões e, claro, especular.
O produto de uma dessas ligações aparece logo quando nos aprofundamos ligeiramente no estudo. Temos a sensação de que estamos a poucos passos de um novo salto evolutivo, um movimento que transformaria nossa maneira de encarar o mundo.
Situação que tornaria, por exemplo, a busca por um cargo de “CEO”, algo secundário. Nesse contexto, o “Eu” ganha ainda mais importância – para aproveitar o trocadilho com o nome do blog – mas, também, escancara a necessidade de fazermos alguns ajustes.
O post de hoje é uma provocação. Um convite à reflexão, para que consigamos sair melhores do que entramos dessa iminente transformação.
Vida = Competição
Para entendermos melhor essa (r)evolução de que estamos falando, precisamos relembrar um pouco do que somos, sem entrar em conceitos (muito) filosóficos, pelo menos por enquanto.
Todos nós temos muita coisa em comum com qualquer ser vivo, uma delas é a origem baseada na competição. Se você lembrar das aulas de biologia, deve se recordar da “sopa primordial” onde a vida começou. Moléculas duelavam bravamente por parte dos recursos limitados:
“Não havia ainda qualquer rastro de consciência, entretanto, se tratava de uma luta, no sentido de que qualquer cópia imprecisa que resultasse num nível mais alto de estabilidade, ou numa nova forma de reduzir a estabilidade das suas rivais, era automaticamente preservada e multiplicada.”
Richard Dawkins
Nesse campo de batalha, algumas vantagens evolutivas foram se destacando. Esses replicadores descobriram jeitos de se proteger dos ataques dos concorrentes, quer quimicamente, quer erguendo uma barreira física de proteína à sua volta, como se fossem veículos capazes de preservar sua existência.
Como já vimos em outra ocasião, Dawkins chama esse revestimento de “máquinas de sobrevivência“. Logo, a medida que surgiam rivais com máquinas cada vez mais eficientes, um simples invólucro se tornou algo irrelevante.
Essas máquinas se tornariam ainda maiores e mais elaboradas, num processo cumulativo e progressivo de cópias imprecisas, com muito, muito tempo para se aperfeiçoarem. Até que ponto você acha que esses replicadores (e suas máquinas) chegaram 4 bilhões de anos depois?
“Eles não se extinguiram, pois são mestres antigos na arte de sobreviver. Mas não espere encontrá-los no mar, flutuando à deriva; há muito desistiram dessa vida altiva. Hoje em dia, eles se agrupam em colônias imensas, seguros no interior de gigantescos e desajeitados robôs, guardados do mundo exterior, e com ele se comunicam por caminhos indiretos e tortuosos, manipulando-os por controle remoto.
Eles estão dentro do leitor e de mim. Eles nos criaram, o nosso corpo e a nossa mente, e a preservação deles é razão última da nossa existência. Percorreram um longo caminho, esses replicadores. Agora, respondem pelo nome de genes, e nós somos suas máquinas de sobrevivência.”
Richard Dawkins
O conceito pode nos incomodar em um primeiro momento, afinal, parece uma versão pessimista demais da nossa história. Mas, ele já nos oferece um ganho, serve como um antídoto para nossa prepotência e arrogância.
Da próxima vez que alguém se julgar grande coisa, lembre-o de que ele pode ser apenas o resultado de seguidas cópias imperfeitas e que, por mero acaso, resultaram em uma máquina que serve melhor aos interesses de seus genes.
Poderíamos estar falando de uma excelente ficção científica, mas, na verdade, trata-se de uma teoria válida que, por definição, é falseável, mas pode nos ajudar a descobrir para onde vamos.
Comportamento selvagem?
A evolução da vida, baseada na competição constante, selecionou naturalmente algumas espécies. Qualquer ser vivo existente hoje, além de ser um sobrevivente, ainda carrega alguns comportamentos herdados de genes competitivos. Mas não se engane ao acreditar que se trata de simples selvageria, alguns exemplos podem ser mais complexos do que isso:
Gene da Territorialidade
Muitos animais dedicam grande parte do seu tempo e energia à defesa aparente de uma área de terreno. Aquilo que conhecemos como defesa do território, para Wynne-Edwards, trata-se de uma luta mais por um prêmio simbólico do que por um prêmio real, como um bocado de alimento.
“Em muitos casos, as fêmeas recusam-se a acasalar com os machos que não possuem nenhum território. Na verdade, não é raro que a fêmea de um casal cujo macho foi derrotado e perdeu seu território abandone de imediato este último para se unir ao vencedor.”
Richard Dawkins
Assim, uma vez que os terrenos são finitos, se a população aumentar demais, alguns indivíduos não obterão territórios e, em consequência, não se reproduzirão. Desse modo, conquistar um território é, para Wynne-Edwards, como ganhar um bilhete ou uma licença de procriação. Em outras palavras, é garantir a sobrevivência de seus genes, por isso, lutam por seu espaço com unhas e dentes.
Gene da Mentira
Os estorninhos são aves que pernoitam juntas em grandes bandos e, como qualquer outra espécie, também competem por recursos limitados entre si. Nesse sentido, quanto maior for o bando, menos recursos cada indivíduo terá à sua disposição, o que torna o controle da densidade populacional essencial para sua sobrevivência.
Essas aves descobriram um jeito. Ao avaliar o nível de barulho feito pelo bando, eles sabem se aquela população está ficando grande demais, o que tornaria a sua alimentação e de sua família uma tarefa muito difícil e, assim, “decidem” botar menos ovos.
(As aspas estão aí para nos lembrar que a decisão não foi tomada após um debate fervoroso do casal – ou uma DR – sobre ter ou não ter um filho, trata-se de uma ação automática, instintiva).
Se você já ficou surpreso com a esperteza desses estorninhos, espere para conhecer o próximo passo de sua evolução.
“Se os estorninhos avaliam o tamanho da população pelo barulho do bando, seria proveitoso para cada indivíduo gritar o mais alto possível, de modo a soar como dois estorninhos em vez de um. Se o leitor for um estorninho bem sucedido nessa artimanha, ficará em posição vantajosa, já que isso reduziria a competição.”
Richard Dawkins
Com a competição reduzida, os estorninhos que mentem são os que vão sobreviver e procriar mais, logo, teremos um literal bando de mentirosos.
Gene da Trapaça
Pense em algum animal como cucos ou gatos. São os pais que realmente trabalham para obter alimento. Além disso, são maiores, mais fortes e mais experientes que suas crias, portanto, estão em posição de definir como serão distribuídos os recursos entre sua prole.
Os filhos, por serem menores e mais fracos, não têm condições de impor sua vontade, mas também possuem algumas cartas na manga. Por exemplo, é importante para o progenitor saber quão faminto cada filho está, a fim de que possa distribuir o alimento com mais eficiência.
“Ele poderia, é claro, dividir o alimento igualitariamente entre todos, mas no melhor dos mundos possíveis, isso seria menos eficiente do que dar um pouquinho a mais àqueles que genuinamente fossem capazes de extrair maior proveito dessa cota extra.”
Um sistema no qual cada um dos filhos dissesse aos pais qual a intensidade de sua fome seria o ideal e, por isso, esse sistema foi desenvolvido de fato.
O problema dessa dinâmica é que os filhotes ficam em condições de trapacear. Afinal, somente eles sabem exatamente a fome que estão sentindo, ao passo que os pais podem apenas adivinhar se eles estão dizendo a verdade ou não.
Assim, a intensidade do ronronar, o sorriso de uma criança ou algo como aquele famoso olhar do gato de botas se tornam ferramentas de trapaça. Ou, em outros termos, uma nova maneira de vencer a competição por recursos limitados, mesmo que isso signifique diminuir o alimento dos irmãos ou dos próprios pais.
“Uma vez que um sorriso doce ou um ronronar intenso se tornem recompensadores para os pais, o filho estará em condição de utilizá-los para manipular os pais e obter mais do que o seu quinhão de investimento inicial.”
Richard Dawkins
Dawkins é incisivo ao afirmar que “um filho não perderá a oportunidade de trapacear“. Segundo ele, isso significa que os genes que os levam a trapacear são vantajosos em relação aos outros genes.
“Se há uma moral humana a ser extraída de tudo isso, é a de que devemos ensinar o altruísmo aos nossos filhos, pois não podemos esperar que ele faça parte da sua natureza biológica.”
Genes Obsoletos
Esses poucos exemplos nos mostram, mesmo contrariando algumas de nossas crenças, que tais atitudes não são apenas sintomas adversos da razão ou da consciência do homem. Pelo contrário, podem ser considerados comportamentos instintivos, orientados por genes que ainda acreditam estar lutando ferozmente pelos poucos recursos que restam.
Tais comportamentos se mostram essenciais para a sobrevivência dos animais da selva, dos replicadores da sopa primordial ou mesmo de nossos antepassados. Mas, o mundo externo não é mais tão desafiador assim, as lutas que lutamos hoje são outras:
“Em 2014, mais de 2,1 bilhões de pessoas apresentavam excesso de peso em comparação com os 850 milhões que sofriam de subnutrição. Prevê-se que metade da humanidade estará com excesso de peso em 2030. Em 2010, a fome e subnutrição combinadas mataram cerca de 1 milhão de pessoas, enquanto a obesidade matou 3 milhões.”
Algo difícil de ser assimilado por genes acostumados a brigar por migalhas:
“Por que os humanos modernos gostam tanto de doces? Não porque no início do século XXI tenhamos de nos empanturrar de sorvete e de chocolate para poder sobreviver, e sim porque quando nossos antepassados na Idade da Pedra se deparavam com frutas doces e mel, o mais sensato a fazer era comer quanto pudessem e o mais rapidamente possível”.
Não se trata de uma situação que afeta apenas nossa relação com a comida. A influência desses genes pode ser mais complexa do que se imagina:
Por que os jovens dirigem com imprudência, envolvem-se em discussões violentas e hackeiam sites confidenciais na internet? Porque estão seguindo antigas imposições genéticas que podem ser inúteis e até contraproducentes na atualidade, mas que faziam sentindo em termos revolucionários 70 mil anos atrás. Um jovem caçador que arriscava sua vida caçando um mamute ofuscava todos os seus competidores e obtinha a mão da beldade local; hoje estamos impregnados de genes viris.”
Yuval Noah Harari
Josh Kaufman segue o mesmo raciocínio, segundo ele, nosso cérebro e corpo simplesmente não são otimizados para o mundo moderno. Parte do desafio do trabalho atual é o fato de sermos configurados para a sobrevivência física e social, não para ficar sentado dezesseis horas de trabalho por dia.
“Dessa forma, enfrentamos novas ameaças, como obesidade, doenças cardíacas, diabetes, mal de Alzheimer e baixo nível de energia crônico. Você simplesmente não foi criado para o tipo de trabalho pelo qual atualmente é responsável. Ninguém foi, estamos todos correndo, exigindo novo software de um hardware antigo.”
Josh Kaufman
As implicações dessa desatualização são inúmeras. Mesmo após tantos avanços como sociedade, ainda agimos com violência por um prêmio simbólico ao defender aquilo que acreditamos ser nosso território, como nas políticas de imigração ou apenas por nos esbarrarem em um bar.
A mentira e a trapaça também estão totalmente inseridas em nossas sociedades, seja por meio da corrupção institucionalizada e crimes de colarinho branco, seja por estelionato, traição ou apenas para “se dar bem” ao receber o troco no McDonald’s ou furar a fila no parque de diversões.
O homem a ser superado
Muitos comportamentos incoerentes com nosso modo de vida estão “assinados” no nosso DNA. Boa parte dos nossos impulsos físicos, emocionais e sociais está obsoleta para o homem da atualidade.
Segundo Yuval Noah Harari, Sapiens não se comportam segundo uma lógica matemática fria, e sim de acordo com uma cálida lógica social. Somos governados por emoções. Essas emoções são de fato algoritmos sofisticados que refletem os mecanismos sociais de antigos bandos de caçadores-coletores.
Hoje, cada vez mais pessoas vivem livres dos grandes males que assombraram a humanidade até pouco tempo atrás, como a fome, a peste e a guerra. Mas o que poderia ser considerado pelos antigos como um cenário perfeito para a felicidade plena, se transformou em um palco de angústias.
O que vemos são as taxas de violência caindo, enquanto a depressão e o suicídio crescem. A escravidão acaba, o racismo continua. Crimes passionais matam mais do que guerras em países desenvolvidos.
Conquistamos a democracia, mas ainda estamos brigando ferozmente por divergência política ou nos matando pelo time que escolhemos torcer. Somos seres civilizados, mas nos odiamos no trânsito. Descobrimos a liberdade de expressão, criamos os haters.
Nos posicionamos indignados nas redes sociais contra as contravenções dos políticos, mas fazemos isso pelo nosso celular, enquanto estamos dirigindo.
Chegamos na lua e queremos ir à marte, mas ainda não descobrimos como acordar mais cedo para ir na academia ou adotar qualquer outro hábito saudável.
O luxo de ontem se transforma na “necessidade” de hoje. Conseguimos encontrar insatisfação até no emprego que já fora considerado “dos sonhos”. Vemos a apatia tomar conta de famílias saudáveis, vivendo em casas com vários cômodos, abarrotadas de tablets e smartphones e geladeira cheia.
Temos tecnologia para acabar totalmente com a fome, mas ainda nos perguntamos o que vamos ganhar com isso. Reduzimos as mortes por desastres naturais, mas contribuímos para que aconteçam cada vez mais.
Apesar de não ser mais pela sobrevivência, continuamos lutando, só não sabemos pelo quê, como uma fera raivosa, atacando tudo que se move.
Tratam-se de conceitos, impulsos, deveres ou comportamentos aprendidos passivamente. Sem perceber, acabamos agindo no automático, por influência de genes combatentes, sem qualquer coerência ou lógica.
A solução para toda essa incoerência poderia ser, simplesmente, encontrar uma maneira de suprimir tal influência, mas isso também não seria inteligente. Não podemos negligenciar a importância das decisões automáticas.
Segundo o nobel de economia, Daniel Kahneman, temos dois modos de pensamento, conhecidos por ele como Sistemas 1 e 2 (termos originalmente propostos pelos psicólogos Keith Stanovich e Richard West).
- O Sistema 1 opera automaticamente e rapidamente, com pouco ou nenhum esforço e nenhuma percepção de controle voluntário. As capacidades do Sistema 1 incluem habilidades inatas que compartilhamos com outros animais. Nascemos preparados para perceber o mundo em torno de nós, reconhecer objetos, orientar a atenção, evitar perdas e ter medo de aranhas.
- O Sistema 2 aloca atenção às atividades mentais laboriosas que o requisitam, incluindo cálculos complexos. Quando pensamos em nós mesmos, nos identificamos com o Sistema 2, o eu consciente, raciocinador, que tem crenças, faz escolhas e decide o que pensar e o que fazer a respeito de algo.
As decisões automáticas do Sistema 1 são, portanto, essenciais para nossas vidas. A saída que nos resta não é tentar superá-las, apenas orientá-las, ainda que minimamente.
“O Sistema 2 tem alguma capacidade de mudar o modo como o Sistema 1 funciona, programando as funções automáticas de atenção e memória.” – Daniel Kahneman
Outro grande passo para a humanidade
Para conseguir influenciar de alguma forma o Sistema 1, precisamos nos tornar mais conscientes de nossas decisões, vigiar nossos vieses automáticos e questionar nossos impulsos, a fim de aceitar a influência apenas daquilo que é, realmente, importante para o bem comum.
Nesse sentido, fica claro o papel da Razão e da Ciência, para termos a capacidade de escolher o comportamento mais adequado, e a importância do Altruísmo e Imaginação, para sabermos a diferença entre o que é mais adequado para o bem comum no longo prazo e o que é vantajoso apenas para o indivíduo no curto prazo.
Razão e Ciência
O estoicismo foi uma das primeiras doutrinas filosóficas a defender a razão como um virtude essencial do homem, como já vimos em outra ocasião. Ensina o desenvolvimento do autocontrole e da firmeza como um meio de superar emoções destrutivas. Defende que tornar-se um pensador claro e imparcial permite compreender a razão universal.
Segundo um dos mais célebres pensadores estoicos, o Imperador Marco Aurélio, “o cosmos está em mudança contínua, as preocupações da vida humana são produto da opinião.”
Assim, o estoicismo nos mostra que nossas emoções podem ser destrutivas se não forem bem administradas pela razão.
Clóvis de Barros Filho e Arthur Meucci nos dão uma ótima contribuição. Para os filósofos, com exceção do homem, os outros animais parecem programados para ser o que são:
“São o que são. Nada mais, nem menos. Dispõem de um saber prático incorporado em forma de instinto que lhes basta para viver. Gatos “gateiam” e pombos “pombeiam”. Não criam, não inovam, não arriscam, não improvisam, não escolhem nem decidem. Apenas vivem. Segundo inclinações, propensões que lhes são ditadas pela natureza.
Para o homem é diferente, porque, ao nascer, não nos é dado tudo, nem o suficiente. O instinto, se existe, é pobre. Não dá conta da vida. Um recém-nascido abandonado à sua própria sorte estará morto em duas horas. O homem, para viver, precisa ir além de sua natureza.
Por isso se vê constrangido a aprender a viver. E, como os legados herdados também não bastam para resolver problemas sempre inéditos, resta ao homem arriscar por conta própria. Pensar em soluções nunca pensadas antes para problemas nunca vividos antes. Porque a vontade do homem, isto é, seu discernimento, sua razão, fala ainda quando a sua natureza se cala.”
A razão é um atributo exclusivo dos seres humanos, mas não se engane, a razão ainda deve considerar as emoções, intuição e empatia como guias. Não o contrário. Ignorar isso, seria irracional. Porém, precisamos entender, por meio de muita reflexão e estudo, quais favorecem o bem comum e quais são frutos do delay evolutivo e, assim, reagir a elas de forma cada vez mais inteligente.
Nós não somos apenas um punhado de genes, ainda assim, a sua influência pode distorcer nossa capacidade de tomar as melhores decisões. Felizmente, a razão pode nos ajudar a descobrir alternativas e a Ciência colabora com métodos para testar e validar hipóteses para o aprimoramento humano.
Altruísmo e Imaginação
O altruísmo é um ponto chave para o Sapiens 2.0. Como vimos no início do texto, trata-se de algo que não herdamos geneticamente, precisamos, portanto, aprendê-lo ao longo da vida.
Apenas ele traz sentido à razão, à ciência e até à própria empatia. Afinal, enxergar o mundo com os olhos do outro pode ser um bom primeiro passo, mas, se não o ajudarmos a vencer suas lutas, de nada adianta.
Clóvis de Barros Filho e Arthur Meucci nos lembram que, para muitos pensadores importantes da história do pensamento, o sacrifício dos próprios desejos e ambições em favor de um altruísmo desinteressado é considerado pura ilusão. Para os psicanalistas, biólogos e economistas, somos seres inclinados a atender com prioridade nossos interesses pessoais.
Será que só nos resta aceitar passivamente essa melancólica definição?
Segundo Dawkins, não. Uma característica exclusiva do homem é sua capacidade de previsão consciente, a capacidade de simular o futuro usando a imaginação.
“Os genes não têm essa capacidade. Eles são replicadores cegos e inconscientes. Não se pode esperar que um simples replicador abra mão de benefícios egoístas no curto prazo, mesmo que a longo prazo fosse recompensador fazê-lo.”
Nós dispomos de equipamento mental que nos possibilita enxergar (ou ao menos, especular) os benefícios no longo prazo e nos reunir para discutir maneiras de fazer com que essa conspiração venha a funcionar.
“Temos o poder de desafiar os genes egoístas que herdamos. Podemos até discutir maneiras de estimular e ensinar deliberadamente o altruísmo puro e desinteressado, algo que não existe na natureza e que nunca existiu antes na história do mundo.
Somos construídos como máquinas de genes, mas temos o poder de nos revoltar contra os nossos próprios criadores. Somos os únicos na Terra com o poder de nos rebelar contra a tirania dos replicadores egoístas“.
Richard Dawkins
A rebelião das máquinas
Trata-se de uma evolução consciente, conquistada com esforço, dedicação e, principalmente, educação. Felizmente, parece que essa transição já está acontecendo. Hoje discutimos assuntos que jamais havíamos discutido, quebramos paradigmas. O progresso moral é claro, basta ver a publicidade dos anos 80. Não é apenas mimimi, estamos correndo atrás do atraso, mesmo.
Enquanto temos pessoas fantásticas desenvolvendo coisas incríveis para a sociedade, como engenheiros, artistas, pais e mães, cientistas, inovadores, educadores, voluntários e uma série de outros exemplos que nos deixam arrepiados quando nos mostram suas realizações, a maioria de nós ainda perde uma vida buscando adversários para uma luta que já não existe.
A evolução da tecnologia gera ainda mais urgência. Ela vai nos ajudar a vencer cada vez mais lutas, como a Revolução Agrícola fez no passado, mas agora vai ser muito mais dramático, mais radical.
Resta saber o que vamos fazer com o nosso tempo livre, com a energia economizada, com a abundância de recursos. Se ficarmos apenas esperando, vamos ficar ainda mais desatualizados, torcendo por um upgrade que nunca virá e manteremos nossa sina de sermos manipulados. Se não fizermos algo, talvez possamos testemunhar, pela primeira vez, a nossa própria involução.
Não sei se isso é possível em uma vida ou mesmo em algumas gerações, mas está mais do que na hora de assumirmos a responsabilidade de dar o primeiro passo.
Usemos mais a imaginação, o altruísmo, a razão, a gentileza, a criatividade, a curiosidade… Menos a ganância, a intolerância, o egoísmo, a mentira, a trapaça… Sei que é uma mistura de tudo isso que nos faz humanos e talvez eu seja um otimista incurável, mas a conclusão que tiro desse post é que podemos ser muito mais do que já somos.
Podemos quebrar nossas crenças mais limitantes. Vigiar nossas emoções e questionar nossos instintos. Alcançar um altruísmo que jamais experimentamos. Parar de tentar justificar o próprio nascimento, para justificar o nosso e, assim, superar nossa própria humanidade.
Trata-se da verdadeira rebelião das máquinas (de sobrevivência). Chegou a hora de assumirmos o controle, de tomarmos decisões cada vez mais conscientes, sem vieses obsoletos.
Não é no voto, na religião ou na próxima novela das oito que você vai encontrar o caminho dessa revolução, ela começa no conhecimento e sua principal arma é a autoeducação, portanto…
…aos livros, cidadãos!
Referências: O Gene Egoísta, Richard Dawkins, 1976. Homo Deus, Yuval Noah Harari, 2015. Manual do CEO, Josh Kaufman, 2010. Rápido e Devagar, Daniel Kahneman, 2011. O Executivo e o Martelo, Clóvis de Barros Filho e Arthur Mucci, 2013.
Excelente resumo.
Olá Nélson.
Obrigado pelo feedback.
Temos muitos outros texto pra você conhecer.
Um abraço
Que pensata bem escrita, com ótimas referências, muito obrigada! Adorei!! Como terapeuta nao posso deixar de fazer um pequeno lembrete: conhecimento+autoeducação = autoconhecimento, o ponto cego da evolução humana.
Sem ele não teremos grandes avanços, portanto, eu diria aos livros…e às práticas!