Conectando os pontos
Por algum tempo, quando entrei para o mundo empresarial, achei que minha primeira faculdade teria sido perda de tempo, afinal, havia cursado um tema absolutamente diferente, Educação Física, e não teria como aproveitar muita coisa em meu novo ramo. Grande engano. Quanto mais eu conhecia as rotinas corporativas, mais eu conseguia enxergar conexões com o que havia aprendido naquela faculdade.
Esse conhecimento interdisciplinar, me possibilitou ter uma visão diferente de muitos dos meu colegas, afinal, a formação da maioria era administração, marketing e cursos correlatos. Pensar nessa “intersecção” entre negócios e esportes, por diversas vezes, me ajudou a propor soluções eficientes e diferentes do casual.
Mas não para por aí. Encontrei, também, muitas conexões de conhecimento prático nesse caminho, que me ajudaram nos desafios do dia a dia. Abaixo, cito algumas das coisas que aprendi muito mais com Educação Física do que com a própria faculdade de Administração que cursei posteriormente:
Alta Performance – Imagine passar quatro anos treinando incessantemente, dia após dia, com dietas rigorosas, rotinas extenuantes e muitos sacrifícios, tudo para correr alguns milésimos de segundo mais rápido em uma única prova que dura apenas alguns instantes. Essa disciplina é característica comum de atletas de alto desempenho, a busca pela melhor performance supera qualquer outro sentimento, qualquer vontade de ter uma vida mais “tranquila” e “relaxada”. E tudo tem relação com o propósito, a causa pela qual se vive. No mundo corporativo, vejo muitas pessoas que querem ser bem sucedidas, mas não abrem mão nem da novela das oito. Tudo é uma questão de escolha pessoal, se o assunto é alta performance, os atletas têm muito a nos ensinar.
Foco em Resultados – O treinamento desportivo tem um único objetivo: resultado. Seja ele relacionado a pular mais alto, fazer mais pontos ou ter maior coordenação, a verdade é que tudo é construído visando o alcance de alguma meta. Não existe espaço para distrações, decisões políticas ou retórica, apenas resultado; e essa é uma lição de extrema importância para empresários, executivos e aspirantes ao sucesso no mundo dos negócios. Muitas vezes achamos que ter boas ideias, bons contatos ou boas notas é suficiente, mas, sem resultados, nada disso faz muito sentido.
Liderança – A liderança ensinada na educação física é diferente da administração. Quando falamos de esportes, o maior foco da liderança é encontrar equilíbrio entre o excesso e a falta de pressão e isso é monitorado e trabalhado com muito cuidado. Afinal, exigir demais de um atleta pode gerar problemas como lesões e desistência, por outro lado, a falta de incentivo faz com que o atleta não alcance seu melhor desempenho. Esse equilíbrio é algo que dificilmente se encontra nas empresas, alguns líderes cobram pouco para evitar conflitos, enquanto outros submetem seus funcionários a pressão extrema, gerando problemas de saúde, demissões e processos. A verdade é que não se sabe ou não se discute esse equilíbrio no âmbito empresarial, talvez, fazer um estágio com um treinador de equipes de alto desempenho possa ajudar os líderes empresariais nessa busca.
Periodização – Criar um cronograma de treinamento pelos próximos quatro anos, para que o atleta atinja o ápice de sua performance no momento exato é uma das tarefas do preparador físico. Não apenas fisicamente, o atleta também precisa estar mentalmente preparado no momento certo. Se as empresas conseguissem trabalhar os talentos da organização dessa forma, poderíamos ter muitos líderes preparados para grandes desafios no momento certo.
Trabalho em equipe – A capacidade de se trabalhar em equipe é muito valorizada nas organizações e o esporte coletivo é uma grande inspiração para potencializar essas características. O entrosamento dos atletas é algo invejável, afinal, na competição de alto nível, todos conhecem o seu papel e colaboram mutuamente uns com os outros para que se alcance o resultado. A responsabilidade é dividida por todos e, embora exista algum protagonismo algumas vezes, as equipes sabem muito bem que o grupo é mais importante que o indivíduo.
Regras e ética – Claro que existem exceções, mas, de forma geral, para um atleta se tornar vencedor, ele precisa seguir uma série de regras rígidas e muitas vezes complexas. Isso faz com que ele se mantenha no caminho e crie estratégias de superação dentro do que é permitido, evitando a busca por atalhos. Esse tipo de visão, cria uma conduta ética, voltada ao aprimoramento e desenvolvimento, algo que deveria ser amplamente valorizado nas empresas.
Saber perder – A derrota e o fracasso acompanham a vida de um atleta. Imagine um jogador de futebol que joga duas vezes por semana, ele vai de vencedor a perdedor em questão de dias. Dessa forma, eles aprendem a tirar proveito das derrotas, aprendendo com elas e evoluindo para buscar a próxima vitória. No mundo corporativo, existe uma aversão exagerada ao erro e fracasso, em vez de aprendermos com eles, acabamos nos diminuindo e nos escondendo para evitar novas frustrações.
Importância do movimento – Quem lida com atividade física entende que a vida é movimento, não nascemos para ficar parados. O indivíduo estático, que espera, pouco alcança. Existe um conceito utilizado nesse meio que é o “platô”, um estado em que o desenvolvimento já atingiu patamares bastante altos e a curva de evolução é muito menos acentuada. Um treinador experiente antecipa esse movimento e muda os treinamentos para que a evolução permaneça constante. É por isso que seu professor da academia muda seu treino de vez em quando, para seu desenvolvimento não estagnar. Saber se manter em movimento pode ser um grande aliado para seu plano de carreira ou sua empresa.
Talvez, a lição mais importante de tudo isso seja que conhecimento dificilmente é desperdiçado. Precisamos aprender a ligar os pontos e entender como eles se relacionam com nosso dia a dia. Para mim, o ecletismo continua sendo o melhor caminho.