Apenas me diga, que eu te direi quem és
No último mês, tive a oportunidade de fazer um curso no exterior junto com pessoas de várias partes do mundo. Da Polônia ao Panamá, histórias vindas de diferentes países estavam reunidas naquela sala de aula, localizada em Barcelona.
Como não podia ser diferente, surgiram muitas conversas sobre as características e diferenças entre cada nação e seus habitantes. Uma dessas discussões me chamou bastante a atenção: a linguagem parecia ter grande influência no comportamento das pessoas.
A fagulha para esse debate veio de um conceito muito utilizado em boa parte do globo, em português o conhecemos como: “Ganhar dinheiro“, comparado ao seu equivalente em inglês” to make money” (make = fazer, criar, construir).
Será que essa sutil diferença do português (ganhar), que sugere dependência de uma outra parte e até um certo acaso, para o inglês (make), que denota esforço e escolha individuais, pode refletir o nosso entendimento de como a dinâmica do dinheiro funciona?
A conclusão do grupo, baseada no conhecimento histórico, cultural e econômico de cada país representado naquela mesa, foi de que sim, parece existir uma correlação. Dessa forma, a linguagem utilizada influenciaria nossa visão do mundo, afetando, consequentemente, nosso comportamento.
Para não ficar apenas na opinião de um número muito limitado de pessoas e com pouquíssimo conhecimento sobre o tema, pesquisei mais sobre o efeito das palavras em nossos destinos.
A boa notícia é que aprendi lições muito mais valiosas do que imaginava.
O ponto de partida
“Ter um segundo idioma é ter uma segunda alma.” – Carlos Magno
Foi um pouco difícil encontrar materiais sobre o tema. A oferta de conteúdo não é tão vasta quanto outros assuntos que estamos acostumados, porém, descobri alguns artigos e vídeos excelentes que podem nos ajudar a esclarecer essa inquietação.
A primeira referência foi a de Benjamin Lee Whorf, um antropólogo curioso que, em 1940, publicou na revista do MIT um artigo chamado “Ciência e Linguística”. No texto, Whorf utiliza alguns conceitos elaborados pelo linguista alemão Eward Sapir, que aborda a influência da linguagem no modo de pensar dos indivíduos.
Sapir defendeu a ideia de que alguns indígenas americanos, por não diferenciarem as conjugações dos tempos verbais em seu idioma, tinham uma percepção de tempo diferente dos falantes em inglês. Assim, “os índios tinham dificuldade de compreender o conceito de temporalidade, mas seriam capazes de intuir o conceito de relatividade de Albert Einstein muito mais facilmente.”
A teoria de que a língua materna molda a forma como vemos o mundo ficou conhecida como Hipótese Sapir-Whorf, ou Relativismo linguístico.
O caminho
Como qualquer outra teoria, o Relativismo linguístico não é consenso entre o cientistas, porém, nos oferece um caminho interessante para explorarmos. Após sua publicação, muitas outras pesquisas surgiram, Lera Boroditsky compilou alguns exemplos:
Um deles é do povo KuuK Thaayorre, uma comunidade aborígene da Austrália que não utiliza palavras como “direita” e “esquerda”. Em vez disso, tudo é expresso em pontos cardeais: norte, sul, leste, oeste, etc. Eles iriam lhe indicar uma direção, por exemplo, como: “Cuidado, tem uma abelha ao sudoeste”.
Além disso, a maneira em que eles se cumprimentam, ou seja, o seu “Olá” é equivalente a “aonde você está indo?”. Imagine ter que dizer para onde está indo, utilizando pontos cardeais, toda vez que encontrar alguém. Isso lhe daria um ótimo senso de direção, certo?
A verdade é que o KuuK Thaayorre possui uma orientação muito melhor do que se supunha que os seres humanos fossem capazes. Uma diferença cognitiva considerável para outros povos, adquirida por meio da linguagem.
A capacidade de diferenciar cores também pode ser afetada pela língua materna. No português, a palavra “azul” serve tanto para o azul claro quanto para o escuro. Na Rússia, no entanto, existem palavras específicas: “goluboy” e “siniy” respectivamente.
Não é difícil deduzir que em testes para distinguir a capacidade de identificar tais tonalidades, os russos, que passaram a vida toda fazendo essa distinção, possuem enorme vantagem. Agora, imagine a limitação de falantes de outros idiomas que utilizam apenas conceitos de “claro” ou “escuro” para definir todo o espectro de cores.
Essa é a situação de um povo da Nova Guiné, conhecido como “Dani”. A boa notícia é que após pesquisá-lo, Eleanor Rosch comprovou que foram capazes de diferenciar e nomear as cores rapidamente, assim que aprenderam um nome pra elas.
Aí está a diferença entre relativismo linguístico rígido e flexível.
Na abordagem rígida, afirma-se que a linguagem determina nossas ideias e pensamentos e sem ela não teríamos nossa cognição.
Já segundo Steven Pinker, “O fato de não termos uma palavra para descrever um conceito ou estado mental não nos impede de senti-lo“. Assim, a linguagem pode apenas influenciar nossos pensamentos e essa é a hipótese flexível da teoria.
No vídeo abaixo você encontra alguns dos exemplos que citamos e outros muito interessantes. Vale a pena conferir:
“A beleza da diversidade linguística é que ela revela para nós o quão genial e flexível é a mente humana. Ela não inventou apenas um universo cognitivo, mas 7 mil. Há 7 mil idiomas falados em todo o mundo.”
Lera Boroditsky
Se você ainda não se convenceu de que nossa linguagem pode influenciar nossas mentes e tem impacto direto no nosso dia a dia, assista ao vídeo abaixo, em que Keith Chen debate a influência do idioma na capacidade do indivíduo economizar:
Alguns desvios
Com todos os exemplos que vimos, parece inegável o poder da linguagem em moldar nossos pensamentos. Mesmo que seja mera influência, quando reforçamos um conceito linguístico repetidamente, ao longo de toda uma vida, parece óbvio que vamos assimilar aquilo de alguma forma. O que nos permite especular sobre algumas possíveis influências das palavras em nosso modo de pensar.
Considere como fazemos perguntas, por exemplo. Existem idiomas, como o inglês, que alteram a estrutura da frase (Do you…? Should I…?) e assim o ouvinte sabe quando a frase que está escutando é uma pergunta mais facilmente. Já em idiomas como o nosso, em que as perguntas são definidas exclusivamente pela entonação, dependemos da interpretação para diferenciar perguntas de afirmações.
Me parece claro que isso faz com que as pessoas prestem mais atenção em como as coisas são ditas, não apenas no conteúdo da mensagem, o que seria o cenário ideal para um povo desenvolver mais a atenção no outro. Por outro lado, quando a estrutura da frase muda ao se fazer perguntas, as pessoas podem ser mais diretas e objetivas sem comprometer o entendimento.
O valor que damos às memórias também pode ser enviesado por nosso idioma. Considere que “remind” é derivado de “mente”, enquanto “recordar” é derivado de “cor”, do latim “coração”. Aqui temos todo um conceito histórico, os romanos acreditavam que as memórias residiam no coração, mas pode ser outro exemplo de influência. Podemos atribuir uma visão mais romântica às memórias quando reCORdamos delas.
Em uma análise subjetiva, parece que essas especulações fazem algum sentido. Já ouvimos muito sobre a objetividade dos ingleses e de como os brasileiros podem ser mais atenciosos, por exemplo. Assim como, já falamos sobre o valor que damos às memórias. Aliás, não existe uma palavra equivalente para “saudade” em muitos idiomas. Talvez por isso, soframos mais dela do que em outro países.
Infelizmente, não teremos condições de validar essas hipóteses, mas podemos entender se existe correlação entre o uso de algumas palavras e a situação atual de alguns países e seus habitantes.
Graças a um projeto idealizado pelo Google, que digitalizou mais de 5 milhões de livros, publicados entre 1800 e 2008, e oferece uma ferramenta chamada Ngram, podemos verificar com que frequência as palavras que escolhemos apareceram em todas essas publicações.
Vamos verificar o comportamento de algumas palavras em português e comparar com seus equivalentes na língua inglesa.
Começaremos com Sorte e Trabalho:
Quando comparamos os termos em inglês (Work e Luck) verificamos que Work apareceu muito mais vezes do que Luck. Aliás, mesmo se somarmos outra palavra equivalente, Fortune, a diferença continua gritante. Já em português as coisas são um pouco diferentes:
Em nosso idioma, a palavra Sorte, aparece muito mais do que a palavra Trabalho e outros cinco sinônimos somados. Parece que temos nos ocupado mais em discutir o acaso favorável do que os americanos ou ingleses.
Outra relação importante, Sucesso e a Felicidade.
No português, Sucesso está na frente, porém, observamos uma bela disputa histórica. Entre as décadas de 20 e 70, a Felicidade foi o termo mais utilizado por aqui.
Já no inglês, Success, ganha de lavada da palavra Happiness. Além disso, observamos que o segundo termo perde relevância ao longo dos anos, de maneira acentuada.
Para terminar, temos as comparações de mais dois termos, Alegria e Dinheiro:
Como era de se esperar, a palavra Alegria é mais utilizada no idioma do país do carnaval.
Mas, quando observamos o inglês, a diferença é impressionante. O termo Money está muito mais presente nos livros do que a palavra Joy.
É muito curioso observar esses resultados. Não podemos negar, por exemplo, que um certo conflito entre busca por Felicidade ou Sucesso, muita Alegria e uma “fezinha” na Sorte, nos faz lembrar do comportamento dos brasileiros.
Já o foco em Trabalho, Sucesso e Dinheiro também me parece muito correlacionado com o ritmo laboral dos americanos. Talvez por isso eles tenham um termo para isso e nós não – workaholic.
Acredito que, ao analisar o Ngram, encontramos correlações positivas com as características dos falantes nativos de cada idioma. Claro que aqui surge uma filosofia “Tostines”, afinal, quem veio primeiro? Os livros são apenas o retrato da sociedade ou eles têm o poder de influenciá-la?
Talvez nunca tenhamos essa resposta, mas agora temos insumos suficientes para saber como o Relativismo linguístico pode impactar as nossas vidas e, principalmente, o que fazer para aproveitar esse conhecimento.
A chegada
(Sim, o subtítulo é uma referência ao filme de mesmo nome que trata desse tema e vale muito a pena ser assistido.)
Ao conhecer mais desse assunto, percebi que podemos obter ganhos muito mais importantes do que apenas confirmar a influência da linguagem no pensamento humano:
Compreenda as diferenças
Aprendemos mais sobre as diferenças culturais, agregando insumos para a discussão que iniciamos no post As Barreiras da Colaboração. Lembre-se sempre que nossa cognição pode ser influenciada pelo idioma que utilizamos e, portanto, aquele seu colega estrangeiro pode ter uma visão muito diferente da sua para certas coisas, simplesmente porque usa palavras diferentes.
Liberte-se
Algumas palavras repetidas inúmeras vezes podem doutrinar qualquer pessoa, mesmo que de forma não intencional. Ao explorar outros universos cognitivos você pode desenvolver sua mente para perceber nuances que nunca havia experimentado. Por isso, busque alternativas, estude outros temas, encontre perspectivas inéditas, aprenda novos idiomas, conheça outras culturas… nunca mais se prenda à tirania de um dicionário.
Assuma o controle
Se as palavras que utilizamos podem influenciar nosso pensamento, tente assumir um pouco do controle. Esse é o principal ganho ao conhecermos o Relativismo linguístico. Muitas vezes, algum conceito está tão enraizado que sequer questionamos se ele está certo. Nesse blog, sempre insistimos para que tudo seja questionado, faça isso também com as ideias concebidas pelas palavras que você aprendeu.
Expanda sua compreensão
Fica claro que nossa compreensão do mundo é limitada pela linguagem que conhecemos. A dualidade é um sintoma disso, se alguém não é forte, só pode ser fraco, se não é esforçado, só pode ser preguiçoso. Nosso idioma pode limitar uma percepção mais precisa por pura falta de alternativas. Se conhecêssemos palavras para graus de força e esforço, por exemplo, talvez, não julgaríamos os outros com tanta frieza.
Portanto, expanda ao máximo a sua compreensão de todas as coisas, elas podem ser muito mais interessantes do que as palavras que você conhece são capazes de descrever.
Referências: O filme A chegada mostra como a linguagem influencia nossos pensamentos, Época, acesso em 26 de junho de 2018 (link). A língua alienígena de A Chegada, Nerdologia, acesso em 29 de junho de 2018 (link). Ted.com
Olá, tudo bem. Estou conteudista de blog e escrevo para pessoas interessadas em desenvolvimento e crescimento pessoal e achei magnífico o seu texto! Um dos temas que me atrai, dentro da psicologia, como estudiosa e curiosa desta ciência são temas que tratam da “sugestão”, “qualidade da mente”, modelos mentais, entre outros. Nesta busca despertei para o papel da linguagem e encontrei o seu site. Pensar, que sofremos influência da nossa cultura, do nosso ambiente social e temos na maneira de expressar a linguagem, algo que pode nos limitar, inconscientemente, é louvável querer saber mais a respeito. Seu conteúdo aguçou mais o meu interesse. Já achei na internet sobre o “Relativismo linguístico” e pretendo explorar mais. Obrigada por disponibilizar. Abraços 😉
Parabéns!
Como foi dito no próprio artigo:
Não é fácil encontrar esse tipo de material disponível na Internet.
Muito boa a matéria, a mencionarei no meu artigo sobre raízes coloniais, porque a linguagem é uma delas – será publicado no http://www.umasulamericana.com/8-raizes-coloniais-latino-americana
Parabéns pelo conteúdo.
Um exemplo disso é o livro ‘1984’ de George Orwell e o ‘novidioma’, no qual o Grande Irmão manipula a capacidade cognitiva e emocional através das palavras.
Vai cair isso na minha prova de literatura, me ajudou muito!!! Adorei!