O método científico e a inovação – uma nova abordagem
Há algum tempo atrás, participei de um workshop sobre Inovação, era meu primeiro contato direto com o tema e confesso que estava pessimista com o que iria encontrar. Talvez eu estivesse sendo um pouco saudosista, mas tinha o sentimento de que a verdadeira inovação era caótica, surgia em situações imprevisíveis, através de insights, epifanias ou visões inesperadas. Padronizar algo que deveria surgir de forma aleatória, não me parecia certo; era como forçar alguém a fazer algo que não se tem controle algum, como ter ideias, por exemplo. Dessa forma, estaríamos perdendo a naturalidade da criatividade e consequentemente sua qualidade.
Pois é, como você já deve ter percebido, eu estava errado.
O que aprendi naquela oportunidade foi que a inovação se difere de criatividade, ela depende de um processo muito bem estruturado para ser eficiente. Essa revelação foi muito positiva para mim, pois, a partir de então, passei a enxergá-la como algo ainda maior: a cada novo conceito que aprendia me convencia mais e mais de que inovar não se limita ao mundo dos processos, trata-se na verdade de uma complexa ciência.
Tanto a ciência quanto a inovação buscam, antes de qualquer coisa, a verdade – uma solução que seja mais adequada do que todas as outras. Para buscar essa verdade, a ciência precisou de muito desenvolvimento, afinal, a opinião de muitas pessoas, governos e religiões ia contra suas teorias:
“Contudo, em assuntos científicos, a opinião da maioria não importa. Nesse aspecto a ciência não é democrática. Muitas de suas verdades são contraintuitivas, e seu progresso, em grande medida, é indiferente à nossa experiência cotidiana do mundo”
Michael Mosley e John Lynch
Visto desta forma, o processo criativo pode ter ganhos relevantes, se passar a considerar o método científico como base para a construção de suas teorias, afinal, o processo da inovação é um conhecimento que ganhou destaque recente se comparado à ciência. Observem que podemos encontrar diversas referências científicas que nos ajudam a entender melhor a inovação:
O primeiro a propor um método de investigação foi Aristóteles (350 a.C.). Sua proposta era de que os pensadores deveriam considerar o “porquê“ das coisas acontecerem, não apenas o “como“. Esse modelo de pensamento influenciou muitos filósofos a pensarem, argumentarem e questionarem tudo que nos cerca de maneira mais profunda. Se atualizarmos esse conceito, podemos aprender com Aristóteles a importância das análises qualitativas.
Galileu Galilei (1600) foi grande influente do método científico. Propôs que a ciência não poderia se resumir à reflexão, assim nasceu a verificação experimental, em que os cientistas passaram a basear suas teorias em provas empíricas. Segundo Michael Mosley e John Lynch, “acima de tudo, ele nada fez sem se basear em observações e experimentos – coletar dados e construir argumentos a partir do que pode ser visto e reproduzido constitui o cerne das tarefas de um cientista moderno. Talvez por isso Galileu seja considerado Pai da Ciência“. Ninguém melhor que Galileu para nos ensinar a enxergar com os olhos de nossos clientes ou usuários e testar nossas soluções através de protótipos.
O método de Francis Bacon (1600) é um dos mais aceitos até hoje. Segundo ele, somente tem direito à denominação de filósofo aquele que consegue gerar transformações úteis e socialmente positivas para o mundo e o único método verdadeiramente científico é aquele baseado em estatísticas observáveis. Bacon nos dá uma aula de utilidade prática, não adianta projetar algo que não vá ser usado.
René Descartes (1620) propôs a investigação para se chegar a verdade, segundo ele, podemos encontrar qualquer conhecimento, desde que prestemos atenção para não aceitar como verdade algo que não seja. Em seu livro Discurso do Método, ele afirma que “dentre todos aqueles que até agora buscaram a verdade das ciências, somente os matemáticos conseguiram encontrar algumas demonstrações ou raciocínios certos e evidentes“. Precisa de ajuda com as análises quantitativas? Chame o Descartes.
Hume (1750) e Kant (1760) argumentaram sobre a importância da observação para obtenção de conhecimento empírico, eliminando assim, qualquer interferência cognitiva do observador. Ambos nos alertaram sobre as análises levianas há muito tempo.
Esses exemplos são encontrados em um período em que a busca pela verdade estava apenas começando a se tornar uma ciência, mas temos literatura disponível e rica o suficiente para nos ajudar com quase toda inquietação sobre Inovação:
“O método científico hoje adotado nos quatro cantos do mundo elabora explicações baseadas em dados. Quando surgem novos elementos que não se encaixam no modelo, é preciso mudar a explicação. É assim que a ciência avança. Por mais questionáveis que sejam as motivações, por mais influentes que se mostrem as forças econômicas, politicas e individuais atuantes sobre as pessoas que a praticam, e por mais intoleráveis que sejam suas conclusões, o desenvolvimento da ciência depende de seguir o rumo ditado pelas evidências”
Michael Mosley e John Lync
Hoje, buscamos novos métodos para lidar com a inovação, queremos utilizar os processos mais modernos possíveis e a todo momento surgem revolucionárias técnicas para resolver de vez essa questão. Mas será que são propostas inéditas? Na nova versão do influente documentário “Cosmos”, o físico Neil deGrasse Tyson resume o Método Cientifico em um conjunto de regras simples e atuais:
- Testar ideias experimentando e observando;
- Desenvolver as ideias que passam no teste;
- Rejeitar aquelas que não passaram;
- Seguir as evidências onde quer que elas nos levem;
- Questionar tudo.
Agora, observem o conjunto de regras do modelo mais moderno de inovação, o Design Thinking, proposto por Tim Brown:
- Observação de usuários;
- Brainstorming;
- Prototipagem;
- Storytelling;
- Construção de cenários.
Ambos métodos possuem muita semelhança, talvez as modernas teorias de inovação tenham sido influenciadas pelo método científico, talvez tenham chegado às mesmas conclusões. Nos próximos exemplos, temos o que é de mais moderno nos métodos da ciência, observem que se alterarmos os dois textos para o contexto de inovação, manteremos sua coerência e relevância:
O historiador Yuval Noah Harari afirma que a ciência moderna se diferencia das tradições de conhecimento anteriores por três motivos principais:
- A disposição para admitir ignorância: a ciência moderna se baseia na sentença latina ignoramus – “nós não sabemos”. Nenhum conceito, ideia ou teoria é sagrado e inquestionável (assunto já abordado no post Desapego Criativo);
- O lugar central da observação e da matemática: tendo admitido a ignorância, a ciência moderna almeja obter novos conhecimentos e o faz reunindo observações e então usando ferramentas matemáticas para relacionar essas observações em teorias abrangentes.
- A aquisição de novas capacidades: a ciência moderna não se contenta em criar teorias, mas as utiliza para adquirir novas capacidades e, em particular, para desenvolver novas tecnologias e soluções.
Um dos grandes nomes da ciência moderna, o físico Stephen Hawking, aborda a construção de modelos científicos em seu livro o Grande Projeto. Observe que existe muita semelhança nas técnicas atuais de construção de cenários.
Segundo Hawking, “um modelo é um bom modelo, se”:
- For elegante (refere-se à ausência de elementos ajustáveis);
- Contiver poucos elementos arbitrários;
- Concordar com e explicar todas as observações existentes;
- Fizer previsões detalhadas sobre observações futuras que podem descartar ou falsificar o modelo se não se realizarem.
Temos hoje, muitas ferramentas e técnicas para auxiliar o processo de inovação, Kotler e De Bes citam algumas em seu livro, Bíblia da Inovação: Sinética, Oceano Azul, Análise morfológica, Marketing lateral, Lista de atributos, Construção de cenários, Visitas, Cocriação, Redefinição de valor do cliente, Brainstorming, Experimentação, Teste de produto, área e mercado, Jornada do cliente, Funil de compra, Evolução de KPIs dentre muitas outras.
São muitas as ferramentas que podem nos auxiliar nesse processo tão necessário da Inovação. Mas será que estamos nos preocupando o suficiente com a base de tudo isso? O estudo do método científico pode ser a resposta principal para as grandes questões dessa nova ciência. Mesmo que surjam novas ramificações e padronizações de processos, que podem até ser muito úteis em alguns casos, não podemos abrir mão do que nos trouxe até aqui. Lá está a verdadeira ciência, sem máscaras ou maiores vaidades.
“Uma teoria deve ser a mais simples possível, mas não mais simples que isso”
Albert Einstein
Cheguei a três principais conclusões com esse post. A primeira é que, realmente, não podemos confundir inovação com criatividade; a visão romântica de ideias surgindo do nada está separada da ciência. A segunda é que inovação e ciência se confundem, nenhuma delas é apenas consequência da outra e funcionam bem melhor se caminharem juntas. A última é que ambos ramos do conhecimento humano são indispensáveis à vida, sem eles, não faríamos sentido.
Referências: Uma Breve História da Humanidade, Yuval Noah Harari, 2012. O Livro da Ciência, Diversos autores, 2013. Design Thinking, Tim Brown, 2010. Antologia ilustrada da Filosofia, Ubaldo Nicola, 2005. Uma História da Ciência, Michael Mosley e John Lynch, 2010. A Bíblia da Inovação, Philip Kotler e Fernando Trias de Bes, 2011. O Grande Projeto, Leonard Mlodinow e Stephen Hawking, 2011. Cosmos: Uma Odisséia do Espaço-Tempo, Neil deGrasse Tyson, 2014.