Entendendo a Máquina
Estresse: palavra tão presente em nossas vidas. Define um sintoma dos problemas que enfrentamos, independente da causa e é, ainda, frequentemente acusada de ser o grande vilão da sociedade moderna.
Mas as coisas não são bem assim. O estresse surgiu antes mesmo do ser humano, há bilhões de anos, no meio do oceano com os primeiros organismos unicelulares. Tratava-se apenas de uma reação fisiológica a qualquer variação externa, como pressão, temperatura ou presença de toxinas. Bastava acionar as proteínas certas para manter o equilíbrio interno.
Com o passar do tempo, a vida na terra ficou mais interessante e complexa, apareceram os predadores, os inimigos e outras ameaças à integridade física dos animais. Foi aí que o estresse passou a ser uma resposta hormonal aos perigos, o organismo desenrolava uma série de reações que alterava todo o funcionamento do corpo, preparando-o para lutar ou fugir.
Passado muito tempo, essas reações continuam acontecendo com os seres humanos, segundo a edição 355 da revista Super Interessante, eis o que se passa com o corpo diante de uma ameaça:
- O hipotálamo entra em alerta e envia sinais para as glândulas adrenais, que logo começam a lançar adrenalina na corrente sanguínea. Esse hormônio faz com que as pupilas dilatem, a audição funcione melhor e aumente os batimentos cardíacos, levando mais sangue aos músculos e mais oxigênio aos órgãos, em consequência, o cérebro funciona melhor.
- A adrenalina estimula, também, a produção de fibrinogênio para agilizar a coagulação e liberar os estoques de glicose. O cérebro, então, começa a produzir endorfina, que tem efeito analgésico, essencialmente anestesia suas dores.
- As glândulas adrenais também produzem o cortisol, que reabastece os estoques de energia, transformando as fontes de comida em glicose e gorduras. O indivíduo fica mais ágil e forte.
- O cortisol também comanda o sistema imunológico: altera a textura das células brancas, que ficam grudadas nas paredes dos vasos e tecidos, para ficar a postos em caso de invasores.
- Outro hormônio que é geralmente liberado nessas condições é a ocitocina. Sua missão é estreitar laços entre seres humanos, estimulando a convivência, trabalho em equipe e melhor compreensão dos sentimentos alheios.
- A ocitocina também protege o coração, regenerando as células e consertando pequenos machucados.
- O corpo produz ainda o DHEA (desidroepiandrosterona), que ajuda a aumentar a plasticidade do cérebro, permitindo maior aprendizado e memorização sobre aquela situação estressante.
Quando observamos os efeitos do estresse em nosso corpo, percebemos que estamos falando de uma espécie de doping natural, que nos torna muito mais preparados para a ação. Mas existem algumas condições que transformam esse “upgrade” em grandes problemas.
O primeiro deles, como sempre, é o exagero: “as primeiras pesquisas sobre o estresse começaram ainda nos anos 1950 e, já naquela época, sabia-se que ele não era de todo mau. Logo dividiram as reações fisiológicas diante de ameaças em duas fases: o eustress e o distress. O primeiro é a parte exclusivamente positiva, uma energia extra que o corpo oferece como resposta. O distress é que seria a sobrecarga, quando o corpo começa a ficar cansado das reações desencadeadas pelo estresse” (revista Super Interessante).
O que agrava essa situação é algo que nos diferencia dos animais: nós temos a “incrível” proeza de transformar uma ideia meramente imaginária em ameaça real. Por exemplo, se não conseguirmos nos concentrar para escrever um relatório no trabalho, começamos a imaginar as consequências disso e a sentir, antecipadamente, as reações do estresse.
“…essas respostas emocionais nos ajudam a manter certo equilíbrio, nos dão energia para correr ou brigar se alguém nos ataca. Porém, no mundo em que vivemos hoje, essas energias são disparadas com rapidez por situações que não têm nenhum tipo de ameaça real. Essas emoções, disparadas de maneira inconsciente por qualquer situação, fazem com que exageremos em nossas percepções”
Estanislao Bachrach
A rejeição é um bom exemplo, trata-se apenas de um conceito, uma condição intangível que não representa ameaça à nossa integridade física. Ok, agora tente convencer o seu cérebro disso. Um recente estudo mostrou que quando nos sentimos rejeitados, as áreas acionadas no cérebro são exatamente as mesmas ativadas pela dor física. Isso faz sentido quando lembramos que nossos antepassados pré-históricos vivam em grupos e, naquela ocasião, ser rejeitado, poderia ser fatal.
Além da grande capacidade imaginativa e da carga histórica da nossa mente, ela também direciona mais atenção para as coisas negativas. O psicólogo Paul Rozin, um especialista na sensação de repulsa, ilustrou esse fenômeno de uma forma bastante prática, observou que uma única barata irá arruinar completamente o atrativo de uma tigela cheia de cerejas, mas uma cereja não fará nada por uma tigela de baratas.
Nossa percepção exagerada ou até imaginária das ameaças pode nos colocar em situações difíceis, afinal, os principais problemas do nosso cotidiano não exigem ações físicas, mas é justamente para isso que nossos instintos primários preparam nosso corpo, deixando para segundo plano outras funções, como o pensamento racional ou a memória, por exemplo.
É daí que surgem os famosos “brancos”, junto com outros efeitos colaterais, como rosto vermelho, respiração acelerada e musculatura rígida. Certamente não é uma condição confortável para uma reunião de negócios.
Nossa noção de ameaça, portanto, é baseada em instintos aprendidos por milhões de anos em situações absolutamente hostis e incoerentes com o nosso modo de vida atual.
Além disso, a decisão de lutar ou fugir é diferente para cada ocasião e relativa para cada pessoa, o que torna evidente a necessidade de desenvolvermos autoconhecimento suficiente para tirar proveito de tudo isso.
Referências: Agilmente, Estanislao Bachrach, 2012. Rápido e Devagar, Daniel Kahneman, 2011. Transforme Seu Stress, Superinteressante, edição 355. http://www.businessinsider.com/why-rejection-hurts-so-much-2015-12