A busca pela atividade dos sonhos
Você pode achar que essa pergunta cabe apenas para crianças e adolescentes, mas não é bem assim. As possibilidades laborais de hoje são imensas, podemos nos tornar, por exemplo, artistas, atletas, concurseiros, autônomos, políticos, professores, empreendedores, investidores e até youtubers, além disso, em cada uma dessas atividades, existe ainda um leque imensurável de alternativas.
Ao longo de toda nossa vida, essas opções ficam disponíveis, gerando dúvidas sobre qual o melhor caminho a seguir. Isso acontece para quem está buscando seu primeiro emprego, está considerando ter alguma atividade após a aposentadoria ou, simplesmente, alguém que queira mudar de profissão. Como vimos em um post anterior, essa liberdade de escolha nos causa angústia e muitas perguntas. O conselho padrão para resolver essa dúvida é “Trabalhe com aquilo que ama!”. Com certeza, todos nós já nos deparamos com essa frase em algum momento, mas será que é apenas isso?
Uma maneira muito utilizada nas consultorias de corredor, para descobrir o que você realmente amaria fazer, é refletir sobre com o que trabalharia se não existisse dinheiro. A resposta viria sem o viés da necessidade e, portanto, lhe daria maior autonomia para descobrir algo que faria exclusivamente por prazer.
Infelizmente, não é tão simples assim, afinal, se todos trabalhássemos com o que amamos, arriscaria em dizer que a maioria das profissões envolveria experiências ligadas ao lazer e aos interesses pessoais, poderiam existir muitos Especialistas em Degustação de gastronomia e jogos, Viajantes Profissionais bastante gabaritados e, ainda, Analistas Esportivos free lancers, prontos para dar seu pitaco em qualquer partida.
Todas seriam profissões muito prazerosas, mas nossa sociedade não seria muito bem sucedida dessa forma, ainda seriam necessários muitos profissionais para completarem outras funções essenciais à nossa sobrevivência. Portanto, a utilidade social também deve ser levada em conta nessa decisão.
Dessa forma, conseguimos limitar melhor as opções e irmos para uma próxima inquietação, que fala dos nossos limites. Todos nós temos características que podem trazer vantagens em algumas profissões e desvantagens em outras, conforme comentado no post Autoeducação. Escolher fazer aquilo que dá mais prazer, sem considerar habilidades e limitações, pode representar um grande prejuízo tanto para o indivíduo quanto para o mercado, o Custo de Oportunidade seria alto demais para sustentar tal decisão. Para sermos bons no que fazemos, precisamos conciliar nossos desejos, utilidades e também habilidades. Em 1935, o economista Lionel Robbins afirmou que a “maior tragédia da vida humana é ter de desistir de uma coisa para escolher outra“, mas é exatamente o que temos que fazer.
A próxima inquietação tem a ver com os resultados da sua escolha. Todas as vezes que tive essa conversa com alguém, percebi que a profissão ou atividade dos sonhos era baseada em alguém já bem sucedido. Inspirar-se num empreendedor renomado, por exemplo, e dizer que amaria fazer aquilo é muito perigoso, geralmente pensamos nos resultados que nossas escolhas podem nos trazer, mas acabamos nos esquecendo de considerar todas as etapas necessárias para chegar lá. Lembre-se, o sucesso não é um sonho, é uma luta.
Outro dilema que tenho escutado sobre esse assunto é a busca de maior satisfação profissional. Nesse caso, o entendimento de qual é a real motivação para esse desejo, se torna crucial para uma decisão acertada. Algumas vezes, o problema pode estar dentro de nós, de forma que nossa percepção não consiga encontrar justificativas para valorizar o que já se tem. Uma mudança de atividade, nesse caso, iria apenas prolongar sua agonia. O filósofo Clóvis de Barros Filho apresenta a definição de Platão para esse amor que tanto buscamos: “Você ama o que deseja e deseja o que não tem“. Essa citação explica a nossa crença em que a felicidade está em outro lugar, confira no vídeo abaixo:
Essa ansiedade em encontrar algo que se ame plenamente pode causar frustrações desnecessárias, por isso que um dos maiores problemas para a escolha de sua profissão é idealizar algo surreal. Toda atividade humana tem seus prós e contras, não adianta acreditar que existe um trabalho perfeito, em que todas as suas atribuições sejam prazerosas, que haja reconhecimento e motivação contínuos e ainda não seja necessária muita dedicação para se obter sucesso. Pensar dessa forma, nos faz desviar os olhos de muitas oportunidades, algo que, parafraseando Nietzsche, nos faz acreditar que nossa realidade atual é “um mundo no qual devemos nos afastar, e certamente não desfrutar mas, ao fazer isso, afastamo-nos da vida em favor de um mito ou invenção: um mundo real imaginário“.
Tenha em mente também, que suas escolhas terão outros reflexos bastante amplos. As castas das quais você vai pertencer, valores e até inclinações políticas são influenciadas por suas atividades laborais:
“…nossos interesses e valores estão entrelaçados por aquilo que fazemos no trabalho – ou seja, nossa ocupação. Assim, por exemplo, as pesquisas sociológicas mostram que somos mais propensos a ter uma visão igualitária da economia se trabalharmos para o setor público do que se estamos no setor privado; e temos maior inclinação a ser culturalmente liberais se tivermos uma ocupação que nos conceda certa autonomia do que num emprego submetido a um controle rígido. Isso acontece, em parte, porque tendemos a encontrar um trabalho que combina com nossos valores e nossa educação; e, em parte, porque nossa experiência de trabalho molda nossos valores. É difícil ser defensor do livre mercado trabalhando como assistente social, assim como ser socialista em um banco de investimentos”.
David Priestland
Esse post é uma provocação, um convite à reflexão mais profunda para suas escolhas, essa decisão é muito importante para sua vida, sou também totalmente a favor da mudança, desde que seja legítima e feita com inteligência, decisões tomadas por impulso podem gerar frustrações muito grandes. Outro ponto que acredito muito é que todas aquelas opções, descritas no primeiro parágrafo deste post, não são excludentes, você pode ser um pouco de cada. Não se limite em troca de definições.
E, por fim, não espere fazer o que ama para amar o que faz.
Referências: Uma Nova História do Poder, David Priestland, 2014. O Livro da Filosofia, diversos autores, 2010. Podcast Man In The Arena, episódio 51, Bob Wollhein. O Livro da Economia, diversos autores, 2013.