Execução na Era Pós-Digital – Experimentação

Desenvolvendo a cultura de aprendizado contínuo por meio da experimentação

No terceiro post da série Execução na Era Pós-Digital vamos abordar algumas ferramentas de experimentação, testes que ajudam a diminuir a incerteza, enxergar oportunidades e que trazem ainda a possibilidade de nos adaptarmos mais rápido às necessidades internas e externas da nossa organização.

“Nós costumávamos pensar que negócios eram puramente execução. Mas agora, entendemos que, na maioria dos casos, não é apenas isso. Trata-se também de indagação; e a distinção entre indagação e execução é o objetivo da experimentação, que busca verificar se realmente entendemos nossos clientes, nossas ofertas e a totalidade do nosso modelo de negócios”

Steve Blank

Em 1937, Ronald Coase obteve grande reconhecimento quando definiu a eficiência em escala como a chave do crescimento das grandes empresas. No entanto, esse escalonamento funcionou melhor em uma época de desenvolvimento linear. Hoje, vivemos em um mundo moldado pelo “crescimento exponencial da tecnologia digital, que acelera a mudança, aumenta a incerteza e eleva a pressão por resultados a uma escala global”.

É o que afirmam John Hagel e John Seely Brown em um artigo da HBR. Segundo sua pesquisa, o declínio do retorno sobre ativos de longo prazo, visto em todas as empresas públicas americanas de 1965 até hoje, é um dos indicativos dessa mudança. Outros indicadores são a diminuição do tempo de permanência de empresas no índice S&P 500 e a queda de índices de confiança do consumidor nessas empresas.

Eles defendem a convincente ideia de que isso teria acontecido, devido às arquiteturas corporativas ideais para a época de seu lançamento, que foram definidas para resistir ao risco e à mudança. Assim, todos os esforços do planejamento foram voltados à aumentar a eficiência e a previsibilidade, um esforço para criar ambientes estáticos na crença de que reduziriam o risco.

Aprendemos em cursos de administração que para colocar uma ideia em prática seria preciso realizar a clássica pesquisa de mercado, criar totalmente (e em segredo) o produto ou serviço, por meio de processos sofisticados e uma série de aprovações internas, contratar uma cara equipe de vendas e depois gastar tempo e dinheiro para comercializá-los. Tudo isso antes mesmo de saber se haveria demanda suficiente.

Como diz Salim Ismail, a internet e, posteriormente, o surgimento das mídias sociais abalaram esse paradigma. A partir da década de 2000, os empreendedores e executivos já podiam testar hipóteses como nunca, alavancando o teste A/B, as ferramentas do Google, mídias sociais e landing pages. Pela primeira vez na história, os empresários poderiam validar a demanda de mercado antes de criar o produto.

Cultura de Aprendizado Contínuo

Acreditamos que ainda existe um diferencial competitivo para as grandes corporações, mas é muito diferente do ganho de eficiência em escala. Trata-se do aprendizado em escala. Hoje, as organizações mais propensas a prosperar são aquelas que provêm oportunidade a todos os integrantes de aprenderem juntos e mais rápido.

John Hagel e John Seely Brown

Os autores se referem a espalharlearnability, como cultura. Não se trata apenas de trocar informações de maneira mais efetiva (embora ainda exista muita oportunidade em fazê-lo), afinal, em um mundo de mudanças exponenciais, o conhecimento existente deprecia em ritmo acelerado. O mais importante nesse contexto envolve criar novo conhecimento.  Brown e Hagel concluem: “Esse tipo de aprendizado em escala não acontece em uma sala de treinamento; ele acontece no dia a dia, no campo.” 

Os japoneses há muito tempo têm seguido a prática do kaizen: a melhoria contínua como uma técnica fundamental de gerenciamento de processos. A única diferença entre a aprendizagem em escala e o kaizen é o uso de novas e mais avançadas de ferramentas orientadas a dados.

Foi o que fez a Apple para criar suas lojas físicas. Eles criaram um espaço como um protótipo e, em seguida, testaram e revisaram os dados e feedbacks de clientes. O processo de experimentação continuou até obterem validação suficiente para lançar sua primeira loja em 2001. Com o sucesso do modelo, a Apple expandiu sua operação para 425 lojas em 16 países.

Renomados empreendedores possuem visão muito semelhante. De acordo com o CEO da Zappos, Tonny Hsieh, “uma grande marca ou empresa é uma história que nunca deixa de ser contada”. Ou seja, é fundamental evoluir e experimentar continuamente. Bill Gates leva a ideia de Hsieh um passo adiante: “O sucesso é um péssimo professor. Ele induz pessoas inteligentes a achar que não podem perder“. Eric Ries, autor de A StartUp Enxuta, aconselha: falhe rápido e com frequência, enquanto elimina o desperdício“.

Quando Marck Zuckeberg afirma que “O maior risco é não correr nenhum risco“, e Steve Blank arremata dizendo que “Nós não sabemos o que o cliente quer até que as suposições sejam validadas“, concluímos, junto com  Salim Ismail, que “A constante experimentação e a iteração de processos são agora as únicas maneiras de reduzir o risco.” 

Métodos de Experimentação

Como discutimos no último post, a experimentação é uma forma de garantir o aprendizado e a adaptação de um projeto ao seu ambiente em tempo real. Garantindo sua longevidade, fecundidade e fidelidade e, consequentemente, sua sobrevivência.

Devido à grande variedade de ambientes e cenários, as ferramentas de experimentação são incontáveis e dependem muito da criatividade. Porém, existem algumas que são mais conhecidas, vamos utilizar alguns exemplos de Josh Kaufman:

Protótipo

Representação inicial de como será sua oferta. Pode ser um modelo físico, um modelo de um computador, um vídeo, um fluxograma ou uma página de papel que descreve os principais benefícios e características.

Não precisa ser nada sofisticado. Tudo o que seu protótipo precisa é representar o que você está oferecendo de modo tangível, de forma que os seus clientes potenciais possam entender o que você está fazendo e lhe dar um bom feedback.

O protótipo é a sua primeira tentativa de criar algo útil, mas não será a última. O primeiro será embaraçosamente insatisfatório e incompleto, e tudo bem, seu objetivo não é ser perfeito, mas sim criar rapidamente um foco tangível para os seus esforços.“Não tenha medo de mostrar seu trabalho em desenvolvimento aos clientes potenciais. Ideias são baratas, o que conta é a capacidade de concretizá-las no mundo real, o que é muito mais difícil.”

Iteração

Uma maneira estruturada de aprender, que ajuda a melhorar sua oferta; quanto mais rápido aprender, mais rapidamente poderá melhorar. O Ciclo de Iteração é um processo que você pode utilizar para aprimorar qualquer coisa ao longo do tempo e ocorre em seis passos principais:

  1. Observe: O que está acontecendo? O que está funcionando e o que não está funcionando?
  2. Reflita: O que você pode melhorar? Quais são as suas opções?
  3. Imagine: Com base no que aprendeu até agora, quais ideias você acha que terão maior impacto?
  4. O quê?: Decida o que mudar
  5. Aja: Concretize a mudança
  6. Mensure: O que aconteceu? A mudança foi positiva ou negativa? Você deveria manter ou reverter a mudança realizada?

Ao mensurar os resultados da mudança e decidir mantê-la ou não, você volta ao início para observar o que está acontecendo, e o ciclo se repete. A iteração pode demandar um esforço adicional no início, mas, depois de percorrer alguns ciclos, você desenvolverá um entendimento mais profundo do mercado, aprenderá diretamente o que as pessoas desejam o suficiente para pagar por isso e saberá com clareza se tem ou não uma oferta viável.

Testes A/B

Esse tipo de experimentação é vastamente utilizada no ambiente online, no entanto, podemos utilizá-lo no mundo físico. O Teste de Importância Relativa, um grupo de técnicas de análise promovidas pelo estatístico Jordan Louviere no anos 1980, proporciona uma maneira de descobrir o que as pessoas realmente valorizam, dando uma série de alternativas.

Como exemplo, imagine que você está fazendo experimentações para aprimorar o serviço de um restaurante. Definimos os atributos de valor ou benefícios do serviço e os separamos em pares:

  • A: Pedidos entregues à mesa em cinco minutos ou menos
  • B: Preço da maioria dos pratos principais abaixo de R$50

Definidas as alternativas, descobrimos quais têm maior valor percebido para seu público. Quanto menor for sua intervenção, melhor, porém, se não for possível definir a preferência apenas por observação, o participante pode ser solicitado a responder qual dos itens é mais importante. Continuamos fazendo mais Testes A/B, combinando outros atributos de valor, como por exemplo:

  • Decoração agradável do ambiente
  • Grande variedade de opções no cardápio
  • Pratos principais diferenciados, que não poderiam ser encontrados em outro lugar
  • Saber que sempre poderá pedir os pratos favoritos
  • Impressionar pessoas ao saber que frequenta aquele restaurante
  • Porções grandes

Combinações aleatórias são testadas até não haver mais combinações possíveis. Quando os resultados são consolidados e estatisticamente analisados, a importância relativa de cada atributo se torna bastante clara e pode ajudá-lo a descobrir rapidamente em quais benefícios você deve se concentrar para maximizar a atratividade de sua oferta.

Shadow Testing

Processo de vender uma oferta antes dela de fato existir. Se você for completamente franco com seus clientes potencias, deixando claro que a oferta ainda está sendo desenvolvida, o Shadow Testing é uma estratégia bastante útil que pode ser utilizada para efetivamente testar a demanda com clientes reais de maneira rápida e barata.

Diferentemente da Mínima Oferta Economicamente Viável (MOEV) que citamos no último post, do MVP (da sigla em inglês de Produto Mínimo Viável) e  versões beta, o Shadow Testing lhe permite obter um feedback crítico de sua solução completa.

Testes de Campo

A maioria dos fabricantes de automóveis submete novos designs de carros a percursos de obstáculos para testar o desempenho e a dirigibilidade em condições reais. Empresas de software como a Microsoft e o Google submetem extensivamente seus novos produtos a Testes de Campo internos com os empregados antes de disponibilizá-los aos clientes.

Testar internamente os produtos permite que a empresa elimine quaisquer possíveis problemas antes mesmo de os clientes verem o produto. Usar todos os dias o seu produto ou serviço é a melhor maneira de melhorar a qualidade de sua oferta. Nada o ajudará mais nessa tarefa do que ser seu cliente mais ávido e mais exigente.

Experimentação na Prática

Para a definição de uma boa estratégia de experimentação, é importante ter em mente algumas considerações:

  • É necessário a utilização de métodos variados. Utilizar os mesmos testes vão nos levar às mesmas conclusões;
  • Saber testar bem é uma questão de saber definir as incertezas. Conhecer a Lógica Simbólica pode ajudar nesse sentido;
  • Lembre-se que o ROL (Retorno do aprendizado) é um indicador essencial para avaliar o sucesso dos métodos escolhidos.
  • A experimentação pode ser incluída em diversas metodologias de Inovação, por exemplo, na etapa 4, Testar Evidências, do MAC – Método Analítico Científico.
  • Existem diferenças cruciais entre experimentação e iniciativas comerciais. Na experimentação o objetivo é aprender sobre as incertezas, o investimento é baixo e trata-se de uma ação temporária. Iniciativas comerciais tem como objetivo a performance financeira, os investimentos são altos para se obter ganho em escala e são ações permanente.

Com essas considerações em mente, vamos a um ótimo exemplo que tive acesso no programa de Inovação e Empreendedorismo de Stanford. Por lá, a experimentação é assunto presente e, recentemente, tivemos um estudo de caso sobre uma empresa que a utilizou com grande sucesso, o Dropbox:

Seu fundador, Drew Houston, um empreendedor de 27 anos, criou o app que permite aos usuários facilmente compartilhar, sincronizar e armazenar arquivos por meio de múltiplos devices, foi um novo entrante em um mercado que já era explorado por mais de 80 serviços de armazenamento online em 2006.

No entanto, quando questionado por capitalistas de risco se o mundo precisava de outra empresa de armazenamento na nuvem, Houston devolveu prontamente: “Quantos desses serviços você utiliza pessoalmente?” A ideia do jovem empreendedor era que as aplicações já estabelecidas ofereciam a solução apenas para grandes empresas com enorme volume de dados. Mas, por experiência própria, acreditava na hipótese de existir demanda para um produto de utilização individual.

Houston e seu sócio, Arash Ferdowsi, que deixou o MIT para se dedicar ao Dropbox, iniciaram, em 2006, uma série de iniciativas de experimentação para validar sua ideia e aprimorar seu produto.

  • Logo no início, desenvolveram um protótipo que possibilitava aos usuários de computador acessar arquivos de outros PCs.  Dessa forma, puderam fazer testes técnicos de seu funcionamento.“Nós criarmos o Dropbox para que ele simplesmente funcione, o tempo todo,” explicou Houston.
  • Com um protótipo em mãos, Houston desenvolveu uma inovadora forma de testar a demanda. Criou um vídeo (screencast) de 3 minutos com a demostração do produto e o disponibilizou em um popular fórum de desenvolvedores. Com isso, conseguiu recrutar usuários para testar o produto e fornecer feedbacks “Não lançar o produto para o público geral é doloroso, mas não aprender pode ser fatal. Nós recebemos muitos insights por causa do vídeo, então estávamos aprendendo ao mesmo tempo em que o desenvolvíamos
  • Após conseguir os primeiros aportes financeiros e intelectuais, os cofundadores desenvolveram um programa beta para um limitado grupo de usuários que registraram interesse e receberam 2GB de armazenamento gratuito. “Havia uma série de conselhos sobre quando lançar o produto. Seguimos o de Joel Spolsky (respeitado desenvolvedor de softwares) que aconselhou “lance quando seu produto não for mais uma completa porcaria”. Então resolvemos manter nossa versão beta apenas por mais algum tempo e algumas iterações“.
  • Após o lançamento oficial, em setembro de 2008, o então time da Dropbox realizou uma série de testes A/B para melhorar o layout e conteúdos da aplicação
  • Para aprimorar sua usabilidade, a equipe monitorou de perto fóruns de suporte técnico. “Nós encontramos, por exemplo, pedidos de features que nós já tínhamos. Isso era ruim, pois significava que nossos usuários não estavam encontrando algumas soluções disponíveis”.
  • Em novembro de 2009, a empresa inaugurou o “Votebox” em seu site. Uma plataforma que permitia aos usuários votarem e comentarem sobre os features que eles gostariam que fossem adicionados ou modificados.
  • Recrutaram alguns usuários típicos no Craiglist e observaram como a maioria não conseguia instalar e interagir com a aplicação facilmente. Observar aqueles usuários lutando para tentar descobrir como usar nosso produto foi provavelmente a coisa mais dolorosa que já vi, mas, depois disso, criamos uma lista de 70 coisas que poderiam ser aprimoradas“.

O sucesso do Dropbox é de conhecimento público e seus testes e validações acontecem até hoje. Suas estratégias de experimentação servem de estudo de caso nas melhores universidades do mundo, trazem informações valiosas para nossos projetos e nos ajudam a entender o potencial de testar, aprender e validar hipóteses constantemente.

Para concluir

Acredito que tivemos acesso a informações conclusivas sobre o tema no decorrer do post. No entanto, ao realizar as pesquisas para escrevê-lo nas últimas semanas, não consegui encontrar um insight mais valioso do que um proporcionado por meu sobrinho de apenas 6 anos.

Ele iria jogar um jogo de futebol no vídeo game pela primeira vez. Apesar de tentar pacientemente, logo percebi que não adiantaria eu tentar ensinar previamente como os controles funcionavam. Ele queria mesmo aprender jogando, em um ciclo contínuo de: jogar, testar comandos e táticas, falhar e repetir todo o processo. A experimentação parece ser uma condição natural do ser humano, que pode ser potencializada ou diminuída ao longo da vida.

Sinceramente, a maneira dele aprender me pareceu muito mais interessante e, não sei quanto a vocês, mas eu confio muito mais na sabedoria de uma criança do que na ingenuidade dos adultos.

 

Referências Experimentação: Organizações Exponenciais, Salim Ismail, 2014. O Manual do CEO, Josh Kaufman, 2012. A StartUp Enxuta, Eric Ries, 2011. Great Businesses Scale Theirs Learnings, HBR, John Hagel e John Seely Brown, acesso em 2017 (link).

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