Oceano Azul – Inovação na Prática 3

Metodologias da Inovação – A estratégia do Oceano Azul

Pare para pensar por um instante no Cirque du Soleil. Agora, tente dizer quais são os seus concorrentes. A primeira alternativa que vem em mente são os circos tradicionais, depois pensamos nos teatros, shows ou eventos urbanos. Mas é fácil perceber que trata-se de um conceito diferente, um espetáculo com valor agregado muito maior. Essa alternativa de entretenimento, criada por dois artistas de rua do Canadá, na verdade, tornou a concorrência irrelevante. Guy Laliberté e Daniel Gauthier encontraram um Oceano Azul.

Imagine um universo de mercado composto de dois tipos de oceanos – oceanos vermelhos e oceanos azuis. Os oceanos vermelhos representam todos os setores existentes. É o espaço de mercado conhecido, onde as empresas disputam suas fatias de mercado. Já os oceanos azuis abrangem todos os setores não existentes hoje. É o espaço de mercado (ainda) desconhecido.

O conceito foi batizado por W. Chan Kim e Renée Mauborgne após extensas pesquisas, porém, trata-se de uma estratégia utilizada há muito tempo. Se pensarmos em um passado recente, identificamos muitos mercados que eram completamente desconhecidos apenas há alguns anos atrás.

Eu confesso que demorei muito para estudar essa estratégia. Afinal parecia óbvio que encontrar um novo mercado é uma grande sacada, não precisava ler um livro para saber disso. Mas, para minha surpresa, a Estratégia do Oceano Azul trata de um método de inovação muito bem elaborado, que pode ser incorporado nas decisões de grandes corporações e também no nosso dia a dia.

O método

Hoje, as estratégias das empresas muitas vezes se resumem a partir para disputa. Seja na competição por preço, em uma corrida para entregar o produto mais rápido ou na briga para ver quem tem mais influência com algum fornecedor. Táticas de guerrilha, promoções e planos de fidelidade são apenas algumas das armas de sobrevivência da sangrenta guerra do Oceano Vermelho.

Para sair dessa batalha, precisamos “quebrar as correntes” e, como no Mito da Caverna, encontrar um mundo totalmente novo e inexplorado. Lógico que não é uma tarefa fácil. O primeiro passo é adotar uma lógica estratégica diferente do que está sendo feito no setor e, dessa forma, parar de se esforçar em superar os concorrentes e direcionar essa energia para oferecer saltos de valor para os compradores. Essa lógica que os autores chamam de inovação de valor:

A inovação de valor atribui a mesma ênfase ao valor e à inovação. Valor sem inovação tende a concentrar-se na criação de valor em escala incremental, algo que aumenta o valor, mas não é suficiente para sobressair-se no mercado. Inovação sem valor tende a ser movida à tecnologia, promovendo pioneirismos ou futurismos que talvez se situem além do que os compradores estejam dispostos a aceitar e a comprar“.

Matriz de Avaliação de Valor

Para encontrarmos Oceanos Azuis e criar estratégias de desenvolvimento, temos um importante instrumento de diagnóstico. A matriz de avaliação de valor tem como propósito captar a situação do mercado e entender quais são os atributos em que se baseia a competição atual.

Para exemplificar, vamos fazer um exercício utilizando um caso que está em grande evidência, o Uber. A Matriz de Valor do mercado antes de sua entrada seria algo parecido com isto:

oceano azul matriz de avaliação de valor taxi

A concorrência era travada por preços, aqueles taxistas que conseguiam atender mais chamadas eram os que mais faturavam e a estratégia de maior sucesso era conquistar alguns clientes fiéis por meio de relacionamento com o próprio motorista. Mas, antes do Uber, ainda foram criadas inovações sem valor ou soluções que ofereciam valor incremental, porém, sem impacto suficiente para ultrapassar as barreiras setoriais. Os aplicativos de táxi não geraram um Oceano Azul:

oceano azul matriz de avaliação de valor taxi app taxiEsse é um exemplo bastante simplista de como era o setor quando o Uber foi criado, mas facilita nossa compreensão dos próximos passos do método. Definidos os atributos atuais, devemos reconstruir os elementos de valor para o consumidor, elaborando assim, uma nova curva de valor. Para isso, utilizamos quatro ações:

  • Reduzir: Quais atributos devem ser reduzidos bem abaixo dos padrões setoriais?
  • Elevar: Quais atributos devem ser elevados bem acima dos padrões setoriais?
  • Eliminar: Quais atributos considerados indispensáveis pelo setor devem ser eliminados?
  • Criar: Quais atributos nunca oferecidos pelo setor devem ser criados?

Essas análises podem ser feitas utilizando alguns métodos de pesquisa, como o Available Data ou a Empatia, por exemplo. Agora vamos tentar simular como ficou a Curva de Valor após a entrada do Uber:

oceano azul matriz de avaliação de valor taxi app taxi uber
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Observem que tivemos uma reconstrução do modelo de negócios. O Uber reduziu, eliminou, criou e elevou os atributos mais relevantes para os clientes e criou o seu Oceano Azul. Esse é um exemplo que traz muitos (e polêmicos) questionamentos, mas fica claro que estamos falando de um caso de Inovação de Valor. 

Fronteiras do Oceano Azul

Para se desvincilhar dos oceanos vermelhos, as empresas devem romper as fronteiras vigentes que definem as formas de competição. Em vez de se preocupar apenas com o que acontece dentro desse limite, devem buscar formas de ultrapassá-lo. Os autores citam seis fronteiras que podem servir para nortear a reconstrução dos atributos de valor e serve ainda como caminho para o oceano azul.

1. Setores Alternativos: As empresas não concorrem apenas com as empresas de seu setor. Existem ofertas alternativas, cujas formas e funções são diferentes, mas têm o mesmo propósito. Em cada decisão de compra, os compradores implicitamente pesam as alternativas, geralmente de maneira inconsciente. Imagine um casal que quer passar algumas horas agradáveis. O Cirque du Soleil, os circos tradicionais e os teatros são algumas opções, mas o casal pode preferir ficar em casa assistindo Netflix.

“Com muita frequência, os espaços entre industrias alternativas oferecem oportunidades para inovações de valor”.

Inquietações:

  • Quais são os setores alternativos do seu próprio setor?
  • Por que os clientes fazem escolhas entre eles?

2. Grupos estratégicos: São aquelas empresas que adotam estratégias semelhantes dentro de um mesmo setor. Um bom exemplo é o de carros de luxo. Mercedes, BMW e Jaguar, por exemplo, se concentram em melhorar sua posição competitiva dentro desse grupo estratégico. Essas empresas não prestam muita atenção no que os demais grupos estratégicos estão fazendo – como os carros populares, por exemplo – pois, sob o ponto de vista do consumidor, não parecem estar competindo entre si.

“O fator crítico para a criação de oceanos azuis no vazio deixado pelos grupos estratégicos existentes é romper essa estreita visão, compreendendo os fatores que influenciam as decisões dos clientes de optar por subir ou descer de um grupo para o outro

Inquietações:

  • Quais são os grupos estratégicos do seu setor?
  • Por que alguns clientes sobem ou descem a escala de ofertas do mercado, para níveis mais ou menos sofisticados?

3. Cadeia de compradores: O mais comum é as empresas que concorrem em um mesmo setor definirem seu foco em um determinado público-alvo. Porém, existe uma cadeia maior que determina a decisão de compra de maneira direta ou indireta. Os compradores podem não ser os usuários finais, assim como não podemos deixar de considerar os influenciadores.

Os varejistas, por exemplo, são compradores, porém, não são os usuários finais. Já na industria farmacêutica, o foco se concentra predominantemente nos influenciadores: os médicos.

“Às vezes, há uma forte razão econômica para o foco. Mas geralmente é o resultado de práticas setoriais que nunca foram questionadas. Desafiar a sabedoria convencional do setor a respeito do grupo de compradores a ser mirado não raro conduz à descoberta de novos oceanos azuis”

Inquietações:

  • Qual é a cadeia de adquirentes do seu setor?
  • Em que grupos de compradores seu setor concentra o foco?
  • Como seria possível criar novo valor, deslocando o foco para outro grupo de adquirentes?

4.Ofertas de produtos e serviços complementares: Existem ocasiões em que a decisão de compra é afetada por alguma condição que ultrapassa as fronteiras de oferta de produtos e serviços do setor. No entanto, as empresas acabam se concentrando em competir dentro desses limites.

Um bom exemplo são os serviços de transporte, que restaurantes e casas de espetáculo oferecem a turistas hospedados em hotéis da redondeza. Apesar de não ser seu core business, a oferta agrega um atributo de valor que influencia fortemente a decisão do cliente.

“O valor inexplorado geralmente se oculta em produtos e serviços complementares. O segredo é definir a solução total procurada pelos compradores quando escolhem produtos e serviços”.

Inquietações:

  • Qual é o contexto em que seu produto ou serviço é utilizado?
  • O que acontece antes, durante e depois do uso?
  • Você tem condições de identificar os pontos críticos para a decisão do cliente?
  • Como seria possível influenciar esses pontos por meio de ofertas de produtos e serviços complementares?

5. Apelos funcionais e emocionais dos compradores: Em alguns setores, a competição é baseada na razão, utilizando, principalmente, estratégias de disputa por preço. Em outros, as empresas recorrem principalmente aos sentimentos; apelam para as emoções.  A questão é que ambos os setores moldaram a expectativa dos clientes com o passar do tempo e, assim, setores funcionais são cada vez mais funcionais e os emocionais cada vez mais emocionais.

“Quando as empresas se dispõem a questionar a orientação funcional e emocional de seus setores, geralmente descobrem novos espaços de mercado. Normalmente, os setores com orientação emocional oferecem muitos extras que aumentam o preço sem ampliar a funcionalidade, uma ruptura nesse sentido poderia gerar vantagem competitiva. No sentido contrário, os setores com orientação funcional podem infundir nova vida nos produtos comoditizados, acrescentando algumas doses de emoção”.

Inquietações:

  • O seu setor compete com base em apelos emocionais ou funcionais?
  • Que elementos podem ser eliminados para torná-lo funcional?
  • No sentido oposto, se seu setor segue orientação funcional, que elementos devem ser adicionados para torná-lo emocional?

6. Transcurso do tempo: Vivemos em um mundo instável, com constantes mudanças tecnológicas, regulatórias e comportamentais. De forma geral, as empresas se adaptam de forma gradual e até um tanto passiva a tendências externas que afetam seus negócios ao longo do tempo. Ajustam o ritmo de suas próprias ações para acompanhar o desenvolvimento das tendências que estão rastreando.

Os insights mais importantes raramente brotam da projeção da tendência em si. Surgem de especulações sobre como a tendência mudará o valor para os clientes e como impactará o modelo de negócios da empresa. Ao prospectar o transcurso do tempo, os gerentes podem ser proativos na construção do futuro e no estabelecimento de um novo oceano azul

Inquietações:

  • Quais tendências apresentam maior probabilidade de influenciar o seu setor?
  • Elas são irreversíveis e estão evoluindo numa trajetória nítida?
  • De que maneira essas tendências transformarão o seu setor?
  • Em face dessas circunstâncias, como criar utilidade sem precedentes para os clientes?

Para finalizar

Sabendo qual será a fronteira de atuação, a manipulação dos atributos de valor fica mais intuitiva. A partir daí, iniciamos a construção de estratégias para atuar e explorar esse Oceano Azul, que acabamos de encontrar.

Claro que trata-se de apenas uma ferramenta de inovação e não uma solução mágica. Portanto, antes de sair para explorar oceanos, considere três preocupações centrais ao utilizar esse método:

  • A principal e mais comentada vantagem do método é o fato de tornar a concorrência irrelevante. Por outro lado, será uma jornada pioneira, sem quaisquer referências. O que torna sua missão ainda mais desafiadora e arriscada.
  • Encontrar um mercado inexplorado oferece uma estrutura de custos mais competitiva. Afinal, evita a deterioração de capital causada pela sangrenta competição setorial. Mas cuidado com a tentação de direcionar esse excedente apenas para aumentar a lucratividade da sua empresa, ideia ou projeto. Aproveite para gerar ainda mais valor para seu cliente, garantindo sua exclusividade por mais tempo.
  • E, finalmente, não confunda Oceano Azul com monopólio. Assim que você encontrar um mercado inexplorado, muitos concorrentes vão tentar ultrapassar as mesmas barreiras que você ultrapassou e manipular os atributos de valor de uma forma ainda melhor que a sua. Lembre-se que a melhor maneira de manter sua curva de valor única e o seu negócio vivo é destruí-los a todo momento. Se você não fizer isso, alguém o fará.

Referência: A Estratégia do Oceano Azul, W. Chan Kim e Renée Mauborgne, 2005.

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